Versão traduzida do inglês de nota publicada no meu Facebook no dia 8/12
Recentemente, o brilhante escritor português José Saramago lançou um livro chamado Caim. É uma crítica divertida e polêmica ao Velho Testamento e ao Cristianismo como um todo. Não esperaria algo diferente de Saramago, mas acredito que ele perdeu a chance de escrever algo mais interessante sobre o tema. O escritor usa a história de Caim e Abel apenas para destacar seu ponto de vista anti-religioso, esquecendo-se completamente que essa história é certamente uma das mais humanas de toda a Bíblia. Embora eu ainda goste de seus livros, acho que Saramago dessa vez não foi tão feliz.
A história dos dois irmãos, filhos de Adão e Eva, é bastante conhecida. Depois de oferecer um sacrifício que não foi aceito por Deus, uma vez que Abel tinha oferecido o melhor do seu rebanho para satisfazer a Deus, Caim mostra-se desapontado e cabisbaixo. De acordo com o quarto capítulo de Gênesis, Deus pergunta a Caim: “Por que andas irado, e por que descaiu o teu semblante?”. Deus continua dizendo (e aqui vem a melhor parte da história): “Se procederes bem, não é certo que serás aceito? Se, todavia, procederes mal, eis que o pecado jaz à porta; o seu desejo será contra ti, mas a ti cumpre dominá-lo” (Gênesis 4: 6-7 Almeida RA). No versículo seguinte, Caim mata seu irmão Abel.
No seu romance A Leste do Éden, John Steinbeck questiona as interpretações existentes do versículo citado. Enquanto a versão inglesa King James afirma que Caim deve dominar o pecado (thou shalt rule over him), a versão American Standard diz que Caim vai certamente dominar o pecado (do thou rule over it). A primeira chama à obediência, enquanto a última está segura de que o desejo pecaminoso será superado. Mas Steinbeck levanta uma terceira interpretação possível para o mesmo versículo. Segundo o autor, a diferença estaria na palavra hebraica timshel: “Tu poderás dominar sobre o pecado” seria uma tradução melhor. Isso daria a homens e mulheres a possibilidade de escolha entre o bem e o mal. Deus avisa Caim e o deixa escolher.
Não pretendo discutir aqui questões relacionadas a livre arbítrio ou à inclinação humana ao pecado. Também não pretendo examinar as diferenças entre as traduções da Bíblia. No entanto, é inevitável que pensemos sobre nossas próprias vidas sob a luz da interpretação de Steinbeck. Por vezes, continuamos fazendo coisas que sabemos serem erradas desde o começo. Mas nossas paixões e desejos não nos deixam em paz. Permitimos que elas nos dominem e nos levem a persistir no erro. Deus nos alerta, a Lei está lá para nos relembrar disso. Quando tudo termina da pior maneira possível (como já se previra), nossa consciência bate e nos arrependemos. Mas Deus já não tinha nos avisado suficientemente sobre isso, como ele fez com Caim?
Na verdade, essa história não é sobre livre arbítrio, mas sobre escravidão. Mesmo tendo a possibilidade da escolha, continuamos cativos de nossa natureza pecadora. Na maioria das vezes, escolhermos não “assassinar” apenas porque a Lei ou alguma regra moral afirma que é errado. Entretanto, continuamos presos em nossa natureza pecadora. Não é o amor de Deus e a liberdade cristã que nos motiva, mas a opressiva (e quase sempre necessária) Lei.
Deus nos alerta, mas não queremos ouvir seus avisos. Ainda assim, a graça de Jesus ainda está lá para nos carregar, mesmo quando sentimo-nos hipócritas e estúpidos. Apenas aqueles que reconhecem seus pecados entendem realmente o que significa o anúncio da graça depois da confissão: quando o pastor ou padre diz durante a celebração: “teus pecados estão perdoados”.
Deus fala conosco quando há algo de errado em nossa vida, mas isso não significa que ele nos rejeita. Muitos de nós, quando éramos crianças, sentíamo-nos rejeitados por nossos pais quando eles estavam desapontados conosco. Mas isso nunca significou que eles não nos amavam (pelo menos no meu caso). Deus ficou com Caim mesmo depois do homicídio. Caim não podia aguentar o fardo da própria culpa, mas Deus prometeu protegê-lo.
Ultimamente, tenho ferido apenas a mim mesmo com meus próprios pecados. Graças a Deus não tenho machucado outras pessoas (até onde sei...). Mas Deus está aí para curar-me e também (espero) para não permitir que eu cometa os mesmos erros. Daí então poderei fazer a escolha certa – não devido às restrições impostas pela Lei, mas porque Cristo me liberta.