quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Dança da chuva

Era um belo fim-de-semana na primavera suíça. Após uma exaustiva semana de reuniões promovida pelo Conselho Mundial de Igrejas, em que discutimos assuntos como a crise econômica mundial, decidi visitar meus bons amigos suíços Daniel, Alena e Tobias. O casal Alena e Daniel há pouco tinham tido uma filha, a pequena Amèlie, motivo de alegria para todos.

Como era um belo dia, meus amigos decidiram que deveríamos levar uns salsichões e fazer uma fogueira no alto de um morro nos arredores de Bern, já dentro dos limites do município de Ostermundigen. Após uma longa caminhada morro acima, de onde enxergávamos o vale todo abaixo, encontramos gravetos para assar os salsichões, enquanto Amèlie fazia barulhos sentada sobre o lençol estendido no chão. Fogueira feita, salsichões espetados: tudo nos conformes com uma conversa entre amigos.

As nuvens começaram a se adensar quando decidimos voltar e os pingos de chuva começaram a cair aos poucos. Resolvemos parar em um charmoso café no meio do caminho de volta. Enquanto sorvíamos nossos chocolates quentes dentro da velha construção de madeira e o volume da chuva aumentava, Daniel se lembrou da situação de uma conhecida próxima em meio a uma conversa. Ela estava passando por um doloroso processo de divórcio: essa pessoa finalmente pensara que tinha encontrado a pessoa certa, mas mais uma decepção ocorrera. Tobias também a conhecia e apenas suspirou, assim como Alena. Daniel então refletiu: “Sabe, o problema fundamental não é achar a pessoa certa, mas sim o amar a si mesmo”. Como sempre, a sacada de Daniel me surpreendeu, apesar de sua aparente simplicidade bíblica e psicológica. Esperei ele concluir: “Desde que você se ame, algum relacionamento vai adiante. A questão não é tanto encontrar a pessoa certa”.

Nunca digiro esse tipo de reflexão rápido. Ainda havia indícios de chuva, mas decidimos arriscar ir embora, afinal a bochechuda Amèlie estava protegida com uma capa de chuva feita para seu carrinho de bebê. Ainda longe do nosso destino, o céu desabou novamente e, sem alternativas para se proteger, Daniel e Tobias resolveram fazer uma “dança da chuva”. Alena empurrava o carrinho rindo de seu marido e de seu amigo loucos e alegres gritando e urrando enquanto giravam no ar suas camisetas encharcadas. Permaneci ao lado dela achando graça também, mas não participei do momento.

Enquanto eles pulavam, perguntei-me a mim mesmo o quanto eu tenho me amado na correria de minha vida. Há alguns anos eu provavelmente estaria gritando com eles se aparecesse a oportunidade. Algo ocorreu nesse meio tempo e percebi que precisava recuperar o tempo perdido.

Voltei para São Paulo e esqueci de quase tudo que pensara naquele momento. Mais uma vez, o turbilhão da vida paulistana me atropelara sem ao menos eu tomar consciência do fato. Mas aos poucos a gente reaprende. O filho pródigo sempre pode voltar para casa.

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Uma ficção chamada Barcelona

La Rambla de Barcelona é um lugar que não dorme. Pessoas de todas as nacionalidades caminham por La Rambla durante o verão catalão em quantidades até um pouco irritantes. O emaranhado de pessoas é um problema pra quem carrega malas com rodinhas potencialmente atropeladoras de sandálias alheias. As bancas, abertas até durante a madrugada, estão cheias de bugigangas e souvenirs, sendo que metade é relacionada ao Barcelona F. C.

Sair de La Rambla e chegar a Plaza Catalunya já significa um pouco mais de calma. Não é à toa que Barcelona é uma das cidades turísticas prediletas de muita gente. Movimento do porte eu só tinha visto em Praga, famosa por belas construções antigas e cervejas baratas. Mas em Barcelona, o que atrai são justamente as construções modernas no sentido artístico. O famoso arquiteto local Gaudí deixou uma infinidade de obras bizarras. A Igreja da Sagrada Família, mundialmente conhecida, é apenas um dos devaneios do arquiteto. O Parc Güell levanta também dúvidas sobre a sanidade mental do seu autor, assim como a Casa Battló, que definitivamente gera suspeitas sobre os possíveis alucinógenos preferidos de Gaudí.

Nos primeiros dias fiquei em um pequeno albergue bastante calmo, onde rapidamente fiz uma amiga canadense. Arrastei a pobre coitada até o Camp Nou, estádio do Barcelona e que significa simplesmente “campo novo” no curioso idioma local, o catalão. O preço de entrada no campo era tão salgado quanto entrar na igreja do Gaudí: uns 17 euros. Obviamente, ficamos nas circunvizinhanças, uma vez que a canadense também curiosamente estava no aperto financeiro.

Decidimos então ir à praia sentar um pouco e não pensar em coisa alguma. Em alguns dias, eu teria um congresso na Universitat Pompeu Fabra. Precisava aproveitar meus últimos momentos de folga. Quando chegamos à praia, eu tinha esquecido que as européias de fato praticam o topless. Perguntei para a canadense que estava comigo se ela aderiria à moda local, mas a resposta foi decepcionante. Entretanto, de jovens a vovós, cerca de metade das mulheres eram adeptas da prática. Talvez as vovós não devessem aderir devido à imoralidade estética que causavam.

Um pouco adiante, um rapaz dava algumas leves palmadas no seio direito de sua namorada, como se fosse um pequeno balão, apesar dos protestos da bela moça (cuja histeria em espanhol lembrava a da personagem representada por Penélope Cruz em Vicky Cristina). Enquanto eu contemplava o mar com certa tranqüilidade, já mais acostumado à situação, duas jovens moças locais sentaram-se de frente para nós a fim de bronzear as costas. Conversando, tiraram a parte de cima de seu biquíni a um metro e meio de mim, como se fosse (e pra elas era) a coisa mais natural do mundo. E ali ficaram, enquanto eu fazia cara de parede.

Tinha marcado conversa pela internet com alguém e precisava voltar para o hotel. Pegamos nossas trouxas e voltamos. Saí de uma ficção e fui para uma outra chamada internet.