domingo, 15 de fevereiro de 2009

Livros

Cresci lendo livros. Não porque eu assim o quisesse, mas porque fui literalmente obrigado pela minha diligente mãe. Na época, assim como hoje, era um cara bem preguiçoso. Mas com o estímulo de minha irmã, que definitivamente não é preguiçosa, a leitura constituiu-se um hábito e até um gosto depois de algum tempo. Era um bom passatempo, tanto que li coisas que não deveria ter lido (não, não lia histórias eróticas, embora o início da adolescência seja hormonalmente pérfido). Talvez 13 anos não seja a melhor época da vida para ler A Morte de Ivan Ilitch ou um monte de outros livros que acabei lendo e não aproveitando coisa alguma...

Depois de um tempo, livro não era apenas gosto. As recompensas por ser uma “pessoa que lê” (grande merda) apareceram. Somado ao bom desempenho em sala de aula, a leitura tornou-se um dos pilares de minha auto-estima intelectual, um alimento à vaidade, um meio de se tornar superior aos outros na eterna competição em que vivemos aqui nesse mundo. A leitura era uma bela arma em conversas de boteco, um meio de mostrar erudição. Eu já lera quase tudo (ou ao menos pensava isso) e foi talvez aí que perdi muito do gosto pela leitura. Lia para dizer que li, não pela leitura em si. Em suma, a leitura se tornou um meio de ser mais bem aceito pelos outros.

No entanto, ainda restava alguma coisa do velho Thomas que gostava de ler. Alguns livros, que por acaso pegamos em um dia enfadonho de verão, marcam nossas vidas de alguma forma e fazem-nos voltar a querer ler avidamente em busca de respostas a perguntas que fazemos a nós mesmos. Quando temos preguiça de ver muitos filmes, o livro é um dos poucos meios restantes de se sentir identificado com algo ou alguém, de pensar em idéias novas, de abrir um pouco a cabeça.

Talvez John Steinbeck tenha sido um divisor de águas. Em um domingo qualquer, a biblioteca da igreja estava doando livros velhos. Um volume amarelado (tanto a capa quanto às páginas) de uma velha tradução de A Leste do Éden me pareceu atraente: aquele cheiro inconfundível de traças, digno de um antiquário.  Tendo apenas ouvido falar desse autor americano e que descobri depois que ganhara o Nobel, guardei o livro por anos em uma estante acumulando um bocado de pó. Enfatuado em um dia quente de férias na cidade, resolvi pegá-lo e espirrar um pouquinho no calor. Tenho um pouco de pena até hoje de tê-lo emprestado e perdido aquela tradução da década de 40, embora tenha feito alguém mais ler Steinbeck, um dos meus deveres nesse mundo. Após uma chuvarada na mochila de meu amigo, recebi de volta uma tradução mais nova e pior. Felizmente, existe outra nova tradução que aparentemente é boa.

A partir desse livro, Steinbeck conseguiu me deixar uma impressão profunda, apesar de meu excesso de racionalismo frio. É um autor que fala de sentimentos comuns a todos. Seus personagens são pessoas simples, mas sempre mostrando de forma clara as paixões de qualquer ser humano. A busca pela aceitação, presente em todos, mesmo adultos maduros, aparece no comportamento dos personagens ao longo de todo o livro. Uma coisa engraçada para alguém que também através da leitura buscava um pouco de aceitação.

Evidentemente, outros livros ficaram na minha cabeça antes e depois. Não posso deixar de fazer um tributo ao Mundo de Sofia (acho que muitos gostam desse livro), que eu folheio até hoje quando vai-lá-Deus-saber-por-que procuro informações sobre algum filósofo e não posso, não consigo ou não quero ler o original. O Contraponto de Aldous Huxley (aquele do Admirável Mundo Novo) também me fez pensar, assim como alguns livros teológicos que mudaram meu jeito de entender a fé, essa coisa tão estranha que alguns ainda insistem em ter.

É preciso alguma maturidade para ler e entender livros. Não que eu seja maduro, mas alguns livros exigem vida prévia. O problema é que, até que alguns livros realmente falem contigo, é preciso que a leitura tenha se tornado um costume (pelo menos para os preguiçosos de natureza como eu). Quem me dera ter lido Crime e Castigo depois de ter entendido o que é a idéia cristã da graça: aquilo que só depois de 22 anos freqüentando uma igreja luterana, arauto da graça, eu entendi com clareza como algo concreto na minha vida.

Talvez devesse ler Crime e Castigo de novo agora. Não tenho certeza, mas acredito que só sabendo com clareza o que é graça é possível entender direito esse livro. Deve-me faltar algo, mas eu não entendo porque esse livro é tão famoso se a idéia mais fundamental do livro é pouco popular. Crime e Castigo não acaba na culpa – esta sim comum a todos -, e talvez por isso, o livro não tenha um bom título:  parece faltar um pedaço. Mas não se preocupem, longe de eu querer ser maior que Dostoievski.