segunda-feira, 23 de março de 2009

A lenta marcha de Cuba

Ondas calmas de um límpido mar azulado chegam à praia harmoniosamente: enquanto algumas ondas quebram na areia de Varadero em Cuba, outras começam a se formar. E assim se segue sucessivamente. Absurdamente azul esse mar, penso eu. O que explica mesmo o azul que vemos na água? As aulas de física perdidas em algum canto do cérebro não se recuperam. Definitivamente não entendo porque enxergo meus pés na água transparente ao meu redor, enquanto que levantando ligeiramente a cabeça, tudo passa a ter um tom forte de azul.

Afastando-se da praia, está o estranho mundo dos habitantes de Cuba, começando pelo hotel. O setor de turismo recebe viajantes do mundo todo, que gastam seus euros e dólares no país, deixam um pouco de gorjeta e permitem que um garçom de hotel ganhe mais do que um médico muito bem formado em Cuba. Um pouco mais adiante, na porta da rua, charutos e garrafas de rum são precificados com a moeda para turistas, diferente da moeda local do dia-a-dia do cubano. Subitamente, um carro da década de 50 com pintura impecável passa por nós. É um milagre que esteja andando. Não obstante, outros carros da mesma época e alguns Ladas passam em seguida. Depois da Revolução em 1959, importar carros de países capitalistas se tornou praticamente impossível. Da entrada do hotel, entro no ônibus escolar de decênios atrás, que nos leva até o Seminário Teológico de Matanzas. É lá que a Comissão das Igrejas em Assuntos Internacionais, importante estrutura do Conselho Mundial de Igrejas, se reúne em março de 2009. 

A pobreza está em todo lugar, mas não uma pobreza de pessoas sem educação.  Com pinturas desfeitas nos prédios e falta de infra-estrutura, é verdade, mas com pessoas instruídas, mesmo vivendo em condições complicadas. Nossos irmãos da Europa Oriental, embora reconheçam o papel nefasto do embargo norte-americano e a abertura muito maior do regime cubano em termos relativos, lembram de seus tempos de opressão comunistas. Alguns africanos e latino-americanos olham com esperança para Cuba, querendo crer na solidariedade socialista e identificando-a com a ética cristã. Ingênuo, provavelmente. 

Músicos do fantástico coro da cidade de Matanzas, após venderem seus CDs para nós, batem papo comigo. Segundo eles, as pessoas não se importam muito com a política. O que as incomoda é a falta de dinheiro e bens essenciais. Gostariam de mais abertura, maior acesso aos mercados, mas valorizam seu bom nível de educação e sua saúde, resultado das políticas que vieram após a Revolução. A tirania de Fidel significou melhora na vida de muita gente. No entanto, isso não muda o fato dele ser um ditador e decidir os rumos do país como bem entende. 

A música faz parte da vida deles: a qualidade é impressionante. Fazem festas o tempo todo, são muito receptíveis e amáveis. Mudanças constitucionais no início da década de 1990 permitiram a volta oficial da religião em Cuba. Nas igrejas históricas em Havana, comunidades muito ativas prestam culto. Que continuem as mudanças. Que os mercados possam chegar a mais pessoas, que os Estados Unidos derrubem esse danoso embargo comercial. Que os cubanos não percam suas conquistas em educação e saúde nesse processo de abertura. Que Deus esteja com Cuba nessa lenta marcha em direção ao desenvolvimento. Amém.

3 comentários:

Anônimo disse...

A lição que Cuba deixa é que os carros americanos devem ser os melhores do mundo...após meio século ainda rodam nas ruas de Havana...hehe
mas tmb demonstra a destreza dos mecânicos cubanos, isso é verdade

o embargo econômico prolongado (e a Ditadura prolongada tmb) e a crise, vão desmontando as as antigas conquistas sociais cubanas e erodindo lentamente o capital humano da ilha. Educação e saúde já não são as mesmas

Renato Lauris disse...

Legal teus comentários Thomas! Estou curioso pra saber tuas notícias. Qdo vem pra Poa novamente? E como estão as coisas por aí? Um abração!

Humberto disse...

aproveito pra perguntar a quem lá esteve, como é o setor imobiliário em Cuba? na ausencia de propriedade privada(pp), em tese, não deve existir um mercado imobiliário propriamente, mas isso implica que o individuo nunca vai ser dono do seu próprio teto.

Mesmo sem PP, não muda o fato de que certos locais da ciudad são melhores de se viver que outros, ou por serem mais proximos ao centro, ou por serem na orla da praia, ou em áreas arborizadas e com mais qualidade de vida....etc ou seja existe diferença entre os padrões de moradia, mas não existe PP? como eles então resolvem esse problema de alocação de bem estar? Se souber como é lá me fale, grato