terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Alemães

O povo alemão é definitivamente um povo bem curioso. Na minha estadia na Alemanha, ouvi muita coisa sobre essa gente e também presenciei algumas cenas curiosas.

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Sempre ouvira falar como tudo funcionava perfeitamente na Alemanha. Um lugar em que as coisas são eficientes. Talvez não tenham a fama de extrema pontualidade que os ingleses têm, mas era de se esperar que os trens chegassem na hora.

No dia que cheguei à Alemanha, desci na estação central de Nürnberg e encontrei velhos amigos: a Mariana e o Vanderlei. A primeira estava indo embora justamente quando eu estava chegando: oi e tchau. Do segundo eu seria hóspede. No entanto, o atraso do trem acabou com todos meus planos de apenas cumprimentar a Mariana e despachá-la em seguida (só posso falar uma coisa dessas porque ela é minha amiga de infância). Por algum motivo, a Alemanha estava fazendo algumas manutenções em trens. Como o primeiro trem atrasou, ela iria perder o segundo e o terceiro sucessivamente. Enquanto isso, ela tentava ligar pra uma amiga que iria buscá-la no seu destino, porque ela possivelmente chegaria bem atrasada. Antes disso, já tínhamos corridos como baratas tontas cheios de malas atrás de informações sobre trens alternativos que a levassem ao mesmo destino, procurando nas listas amarelas as partidas de trens, falando com o pessoal do balcão de informações, etc. No fim das contas, ela se atrasou e não conseguiu falar com a amiga. O fim do mito da eficiência.

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Alguns dias depois, cheguei em Wittenberg, cidade onde iniciou-se a Reforma Luterana com as 95 teses expostas na porta da Igreja do Castelo da cidade em 1517. Encontrei um senhor muito gente boa que provavelmente foi contemporâneo de Lutero. Obviamente, ele não falava inglês. Assim, meu parco alemão somado a gestos foram as formas de comunicação empregadas, mas a gente se entendeu bem enquanto ele me levava à cidade velha.

Depois de ter visitado o museu na casa onde Lutero morara e as igrejas históricas, voltei à estação. Assim que cheguei lá, uma vontade absurda de ir ao banheiro (número 1) surgiu. Precisava de €0,50 para poder usufruir do banheiro. Tremendo, abri o zíper da minha carteira e fui empilhando ansiosamente as moedas de €0,10 e €0,05 no receptor preso à maçaneta da porta do banheiro. Completada a soma, a porta não abria. Dã. A porta só aceitava moedas de €0,50. Suando frio e me segurando tenso, fui em direção ao bar onde vendia-se wurst e pão. Já sabia que a atendente, uma senhora de fisionomia nada simpática, não falava inglês. Novamente, tentei recorrer ao meu pseudo-alemão. A língua alemã tem formas de tratamento informal e formal. Para “você”, há o termo informal “du” e o termo formal “Sie”. Como bom brasileiro não-acostumado a formalidades, cheguei pra mulher que me fitava dizendo: “Entschuldigung, kannst du...”. A mulher abruptamente interrompeu minha fala gritando um “Können Sie!!!” com os olhos flamejantes. Ainda em estado de choque, suando frio e tremendo, pedi desculpas e ela logo percebeu que eu precisava trocar moedas. Peguei avidamente as duas moedas como se valessem 50 euros e não 50 centavos cada. Pelo menos, pude acabar com minha ansiedade em seguida no mictório.

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O mijo rende muitas histórias. Voltando da República Tcheca, já em território alemão, entrei no trem e pensei em ir ao banheiro. Pelo menos desta vez não precisava pagar. A porta do banheiro sinalizava “banheiro livre”: nada mais natural do que abrir a porta. No entanto, a porta esbarrou em algo. Quando o algo começou a esbravejar palavras em alemão, provavelmente me amaldiçoando pelo tom, percebi que o algo era alguém. Não consegui ver a pessoa, mas pedi desculpas e voltei à minha poltrona. Afinal, a vontade não era tanta assim.

Meia hora depois, já quase na estação de destino, resolvi então peregrinar novamente em direção ao banheiro. Desta vez, a porta estava entreaberta. “Graças a Deus”, pensei. Não iria agüentar muito tempo mais. Empurrei a porta já entreaberta e a mesma voz pouco amistosa surgiu de dentro do banheiro esbravejando qualquer coisa que não entendi nem quero entender. Tive vontade de ensinar pra aquele velho de bexiga frouxa que quando se usa o banheiro, principalmente em locais públicos, fecha-se a porta, pelo menos em países selváticos como o Brasil. Respirei fundo e voltei ao meu lugar. Fiquei à espreita pra ver se o velho saía e só depois disso pude me livrar da água do joelho.

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Na última cidade que visitei, Munique, resolvi parar e comer um sorvete Häagen-Dazs. Uma atendente linda, simpática e de riso fácil salvou minhas impressões negativas da Alemanha. Além disso, indicou-me um excelente sabor de sorvete. Algo se salva ainda naquele país.

PS: Na verdade, gostei bastante da Alemanha. Mas permitam-me certa licença poética. Feliz Natal.

sábado, 20 de dezembro de 2008

Vitrines e canais


Um homem caminha rapidamente em uma ponte que passa por cima de um canal. Ao atravessar a ponte, ele de repente pára em frente a uma porta. Da mesma forma que ele abriria a porta de um banheiro público, ele abre a vitrine iluminada por uma lâmpada vermelha. Não deixa de estar simplesmente satisfazendo uma espécie de necessidade. Ao lado dessa porta envidraçada, há outras iguais. Todas com uma luz vermelha. Em algumas, há mulheres em trajes sumários, oferecendo-se por quantias que superam € 50. Em outras, cortinas fechadas encobrindo o vidro, como na porta em que o homem entrou: é o momento do consumo.


O bairro da luz vermelha de Amsterdam é de fato curioso para quem não está acostumado. A hipocrisia moralista é substituída pela legalização daquilo que de fato sempre acontece, não importa o que a lei diga. As mulheres ficam em vitrines, o que escancara o fato da mulher se tornar mercadoria no mercado da prostituição. Enquanto isso, outros homens, alguns de distinta aparência, entram em outras portas. Em alguns corredores, mulheres horríveis. Em outros, mulheres realmente bonitas, cujos preços imagino serem altíssimos.


Amsterdam é conhecida também por sua tolerância às drogas. Tudo o que há de pior da Europa em termos de paz social, respeito e ordem deve ter a aspiração de passar alguns dias nessa cidade. Uma loja com um grande cogumelo na porta vendendo de tudo divide espaço com uma loja que vende flores, incluindo os bulbos das famosas tulipas holandesas: famosas não apenas por sua beleza, mas por terem sido protagonistas de uma crise econômica no século XVIII não muito diferente da vivenciada hoje com o mercado de crédito imobiliário. Mas não apenas tulipas, maconha oficial holandesa também é vendida. Encontramos até “starter kits” de maconha. A prova disso está devidamente registrada por fotos, que certamente não serão divulgadas para não acabar com minha futura e brilhante carreira política.


Esquece-se, todavia, de outras características da Holanda. De fato, a língua não é das mais belas de se ouvir, embora haja muitas mulheres belas. A arquitetura de seu centro antigo é bastante peculiar, com suas avenidas cortadas por inúmeros canais: tecnologia de séculos atrás segurando o mar através de diques.


Eu e meu amigo Philipe, ex-blogueiro do Rabiscos e atual do simples notas, estivemos visitando diversas partes de Amsterdam. Ele está fazendo a pós-graduação dele em Economia no Timbergen Institute, centro de excelência na área. Como grande admirador de música clássica, ele comprou ingressos para um concerto no Concert Gebouw, onde toca uma das melhores orquestras do mundo. O salão lotado de senhores e senhoras extremamente bem-vestidos era um contraste com o que havia de mais vil no bairro da Luz Vermelha. Provavelmente, alguns deles freqüentam assiduamente o bairro, entrando como se não quisessem nada (a situação é bem outra) em qualquer vitrine que lhe agrade mais. É a imagem que fica da cidade, mesmo tendo ouvido o excelente desempenho da orquestra com as obras de Dvorak e com o desempenho do reconhecido pianista brasileiro Nelson Freire.


Na manhã seguinte, abandonei o quarto do Philipe com banheiro pessoal em um bairro de estudantes. Ambiente agradável em que a cozinha é dividida com os demais moradores do andar. O essencial está ali para um estudante, o que seria o ideal para mim por exemplo na USP, mas que não existe no Brasil. No Brasil, prefere-se subsidiar o restaurante universitário para que todos os alunos das universidades públicas, um bando de famintos, possam comer decentemente pagando a justa quantia de R$ 1,90.



De Amsterdam, meu trem seguiria em direção à Düsseldorf, e então para a capital alemã Berlin.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

As belezas de Oslo


15:30. É noite na Noruega. Final de novembro e início de dezembro é a época mais depressiva nos países nórdicos. As noites escuras e longas são quebradas apenas pelo tímido sol que aparece entre 9 e 10 da manhã. É quase como se o sol aparecesse, cruzasse o céu correndo e caísse no horizonte em seguida.

As reuniões de um grupo de trabalho do Conselho Mundial de Igrejas que tivemos aqui na Kirken Hus (a tradução literal seria "Casa da Igreja") iniciavam às 9 horas e terminavam às 6 da tarde. Iniciavam à noite e terminavam à noite. Kirken Hus é onde está localizada a parte administrativa da Igreja da Noruega, que pertence ao Estado. Essa igreja, portanto, é financiada por impostos pagos pelos cidadãos noruegueses. Cerca de 83% dos noruegueses hoje são membros da Igreja da Noruega, que pertence ao ramo luterano do Cristianismo. Ainda assim, são poucos os membros ativos, dada a intensa secularização da região.

Após o dia (ou a noite, que seja...) de trabalho, não havia mais tempo para conhecer Oslo, afinal a escuridão já tinha tomado conta de tudo. Pelo menos, algum setor ou departamento da Igreja da Noruega dava um jeito de nos pagar jantares em excelentes restaurantes. Conheci típicos pratos natalinos noruegueses, além de outras iguarias como seus pescados. É bom lembrar que a Noruega é um país que depende em boa parte de pesca, assim como também de petróleo.

Na quinta-feira, sem mais trabalho a ser feito, pude passear um pouco. Passei pelo Parlamento, pelo Palácio Real e pelo moderno Museu do Prêmio Nobel da Paz. Mas mais interessante do que isso, as recepcionistas do hotel já me indicavam que as mulheres norueguesas deveriam ser bem atraentes. Existe um certo fetichismo em relação aos países nórdicos que eu pensava ser exagerado. Não é exagero. Mulheres lindas para todos os lados, com seus cabelos loiros na sua variação mais clara e natural. Não é simplesmente por serem loiras, mas a concepção de rosto delas em especial é muito atrativa. Sem contar que costumam ser simpáticas e solícitas. É um povo muito mais aberto e amigável do que eu supunha, dado o inóspito clima da região.

Na frente do Palácio Real, estava ocorrendo alguma cerimônia. Uma pequena exibição militar aparentemente devido à saída do Rei. Não estava certo disso e resolvi perguntar pra uma guria linda que ajudava a cuidar de uma turma de crianças. Começamos uma amigável conversa que durou até o momento em que ela perguntou o que eu estava fazendo em Oslo. Respondi que estava em uma reunião de igreja na sede da Igreja da Noruega. Quase instantaneamente, ela se afastou e passou a dar atenção para as crianças. Povo ateu esse... Bom, sem problemas, não havia tempo para mais nada, precisava pegar o trem para a Suécia.

Antes deixar Oslo de vez e pegar o trem, almocei pela última vez na Kirken Hus. Uma das moças que trabalhava ali era chinesa ou descendente de chineses. Mesmo as chinesas norueguesas são mais bonitas que as que geralmente eu vejo: provavelmente a chinesa mais bonita que já vi em vida. Infelizmente, nossa comunicação estava prejudicada: seu inglês não era muito bom (algo muito raro na Noruega, por isso acredito que ela realmente fosse chinesa). Mas interessante foi o comentário da outra garçonete norueguesa em meio a risadas: "Foi você que estava tocando piano ontem? Toca mais um pouco! Acho que ela (a chinesinha) gostou bastante!". E continuou rindo ao mesmo tempo que a simpática chinesa sorria timidamente com aquela reserva e embaraço tipicamente oriental. Mas não havia tempo para mais nada novamente. Comprei um sanduíche e agradeci. Ela balbulciou um "you are welcome" e eu deixei a bela Oslo para trás em direção à Suécia.

sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Não poderia viver no Uruguai

Não poderia viver no Uruguai. Em qualquer lugar de Montevideo é possível achar algo feito com doce de leite. E não é qualquer doce de leite, é o dulce de leche uruguayo. Para um viciado irrecuperável como eu, seria a perdição total. Acho que até conseguiria engordar (coisa que não acontece desde que passei a morar sozinho). O balde de 3 kg de doce de leite Conaprole tornou-se meu sonho de consumo, só não realizado pelo medo da alfândega no Brasil. Embora fosse ser verdade, dificilmente convenceria alguém que um balde de doce de leite é para consumo pessoal. Contentei-me com dois vidrinhos de 1kg, sendo um destinado ao meu orientador, também um exímio apreciador do produto. Em matéria de laticínios, os uruguaios são mestres, com meu perdão dos meus caros amigos mineiros, que também são competentes. De qualquer maneira, os mineiros deveriam ir para Montevideo a fim de aprender que não inventaram o doce de leite.

Mas há outras especificidades em Montevideo, cidade que conheci na semana retrasada. No país de apenas 3 milhões de habitantes, metade mora na capital. Além disso, jogam truco com baralho espanhol e tomam mate assim como os gaúchos. Mais do que isso, tomam mate todos os dias em qualquer lugar, carregam pelas ruas, shoppings, praças, escolas e escritórios em qualquer hora e dia da semana. Desenvolveram também uma técnica de prender a térmica no braço e com um leve movimento, enchem sua cuia (que eles chamam de mate, enquanto a erva é simplesmente chamada de yerba). O mais curioso é que toda erva-mate do Uruguai é importada. Qual não foi minha surpresa ao ver que a principal marca de erva deles vem de... Encantado, Rio Grande do Sul. Mesmo assim, os gaúchos deveriam ir para Montevideo a fim de aprender que não são os maiores viciados em mate no mundo.

Ao chegar na cidade, entrei em contato com uma amiga uruguaia metodista, com quem trabalhei na Assembléia do Conselho Mundial de Igrejas em Porto Alegre. Sua família, composta pelos pais e as duas filhas (e também o namorado de uma delas), me recebeu de braços abertos. Fui convidado para um jantar, assisti o trabalho da Igreja Metodista com os moradores de rua (algo parecido com o que fazemos em São Paulo) e fui convidado para falar sobre minha realidade no grupo de jovens deles. Fui tão bem tratado que até sentirei falta desses amigos, para quem reclama que sou pouco nostálgico. Essa gentil família é muito ligada à igreja: o pai, pastor metodista; a mãe, pastora valdense. Sim, os valdenses são os primeiros protestantes do mundo, muito antes de Lutero, mas que ficaram confinados em alguma região da Itália, após o início do movimento liderado por Pedro Valdo em 1180. Também é bom que os luteranos aprendam que não são os primeiros.

A mistura de cultura hispânica com um pouco de italiana deixou suas marcas nas belas faces das uruguaias, que têm uma beleza particular e atraente. A memória dos tempos áureos está nos prédios antigos e bonitos da capital uruguaia, que infelizmente é visivelmente decadente. O povo é extremamente receptivo, a maioria é muito cordial e ajuda turistas brasileiros meio perdidos. Não digo isso apenas pela família que me recebeu, mas também por outros que sempre estavam dispostos a ajudar ou a ter uma boa conversa. Embora etnicamente e culturalmente sejam muito parecidos com os porteños, os uruguaios são muito cordiais. Talvez alguns de Buenos Aires (e mesmo alguns gaúchos) devessem ir para Montevideo para aprender que também podem não ser arrogantes e que o Uruguai não é uma colônia deles.

Não posso, entretanto, cometer injustiças: conheci um porteño muito gente boa na conferência que participei: inclusive muito crítico dos excessos de seus conterrâneos. É evidente que o argentino arrogante é apenas um estereótipo. Havia muitos argentinos legais no evento, mas talvez porque o assunto da conferência é para pessoas mais legais (não me livrei por completo da arrogância gaúcha). A conferência tratava de desenvolvimento humano, pobreza e democracia: assuntos que não recebem o destaque devido pelos economistas e suas pobres e chatas teorias quando se trata de bem-estar. Talvez mais economistas devessem ter ido à conferência aprender que crescimento do PIB a qualquer custo não é tudo.

Contudo, não precisamos fumar tanta maconha quanto os montevideanos. A maioria dos jovens não nega uma marijuana. Apesar desse pequenino revés, acho que aprendi bastante em apenas cinco dias de Uruguai.

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Choque cultural

Poucas vezes antes tinha sentido fortemente um choque cultural. Talvez por ter nascido e crescido em meio a um choque cultural: sou de uma família coreana no Rio Grande do Sul participando de uma igreja luterana com forte influência germânica. Assim, sempre fui mais resistente aos choques culturais. Eu mesmo era e sou um choque cultural ambulante.

Mesmo em momentos como a Assembléia do Conselho Mundial de Igrejas, em que trabalhei com aproximadamente 140 jovens de TODAS as partes do mundo, não senti muito forte o choque. Estávamos todos trabalhando, tínhamos nossas diferenças, mas também não foram tantas relações de fato aprofundadas. E o óbvio também acontecia: pessoas com mentalidades mais parecidas se aproximavam mais, afinal a oferta de possíveis amigos era farta. Ano passado, quando fui à Suíça, as diferenças culturais inclusive me agradaram. Curiosamente, meu amigo suíço Daniel, que me hospedou, tinha uma mentalidade em muitos aspectos bastante parecida com a minha. O mesmo posso dizer de Tobias, amigo de Daniel, e de Alena, esposa de Daniel. Isso certamente explica também porque no final de uma semana parecíamos amigos de longa data. Senti-me mais em casa em Berna do que em São Paulo.

Certamente, meu primeiro grande choque cultural, mas não apenas cultural, foi minha mudança pra São Paulo. Mas muito de meu mal-estar em São Paulo estava associado às outras mudanças advindas: sair de casa, afastar-se da minha namorada da época, estudar como um cão no mestrado, círculo de amigos bastante restrito e, não menos importante, a disparidade estética média entre as mulheres paulistanas e as porto-alegrenses. Claro que há mulheres bonitas em São Paulo, mas não preciso dizer quem leva grande vantagem no placar quando falamos de média. E na verdade, aqui em São Paulo, continuo perambulando como um choque cultural. Dentro do Brasil, meu fenótipo é muito mais associado ao paulistano do que ao gaúcho. O sotaque (que é fraco mas às vezes aparece), a camisa do Grêmio e o chimarrão são motivos de espanto muitas vezes.

Apesar da minha resistência, da última vez que tive contato maior com estrangeiros, senti mais forte o choque. Recentemente, duas intercambistas da Igreja (Luterana) da Suécia estavam trabalhando em Santo André, cidade aqui ao lado. Elas eram muito divertidas, mas os escandinavos são notoriamente diferentes de nós. Não que os suíços ou alemães não sejam. Mas talvez por elas estarem em nosso território, as diferenças fiquem mais claras. Jenny e Elin, embora muito legais, me mostraram um pouco das absurdas diferenças de mentalidade de um povo etnicamente e homogêneo que vive em clima e instituições completamente diferentes das nossas. Era difícil entender ou digerir algumas coisas que elas diziam. Afinal, como entender que uma sociedade veja com naturalidade festas que ocorrem em saunas, com pessoas peladas e cervejas geladas? Talvez os brasileiros sejam apenas falsos conservadores hipócritas, mas a sensação de pertencer a um outro mundo foi grande, algo que eu sentira poucas vezes antes, embora tenhamos nos divertido bastante.

Eu e as suecas passeamos por São Paulo e fomos a um jogo do Corinthians com alguns outros amigos. Momentos em que conversamos bastante. Não eram como os 140 jovens na Assembléia, entre os quais eu podia procurar os que mais tinham cabeças mais parecidas com a minha. Não era como o Daniel na Suíça, que discutia teologia, política e economia comigo, além de ter visões surpreendentemente parecidas com as minhas em vários assuntos. Eu tive ótimas conversas com as suecas e foram dias realmente edificantes: acho que me dei bem muito bem com elas além de tudo. Mas eu não posso negar que senti um pouco do choque. Faz parte.

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Vivendo de(a) graça


Fui a um rodeio. Eu admito. Não àqueles rodeios à moda gaúcha. Não, fui naqueles rodeios do interior paulista, onde cada sílaba terminada com “r” é uma verdadeira agressão aos ouvidos pouco acostumados com tamanhas atrocidades contra o bom português. A Festa do Peão da cidade de Limeira me proporcionou momentos bastante curiosos: pela primeira vez, vi com meus próprios olhos aquela competição maluca de peões tentando se equilibrar em cima de bois e cavalos que pulam desesperadamente. Afinal, quem não pularia tendo seus sacos escrotais espremidos? No entanto, não pude ver as cenas de picante imoralidade que dizem haver nesses eventos, talvez devido à chuva, que teve seu momento mais forte em meio ao show do Edson & Hudson. Talvez seja difícil imaginar Kang pulando ao som de Edson & Hudson em uma das primeiras filas da platéia.

Acordei quase ao meio-dia no dia seguinte: dormi na casa de uma amiga (acreditem, amiga mesmo, isso existe) e passei a tarde conhecendo o não-lugar de Limeira. Afinal, shoppings são não-lugares, como dizia o professor Sérgio Monteiro da UFRGS. Em qualquer cidade, shoppings são shoppings: todos iguais, padronizados, com suas vitrines iluminadas, objetos de idolatria de homens e mulheres problemáticos (eventualmente sou um deles quando a loja é de esportes). Se há um lugar em que a graça está completamente ausente, esse lugar é o shopping. Lá tudo é troca, tudo é comércio: é o lugar mais apropriado para idolatrar o deus mercado. Às vezes não é ruim tirar algo de lá, assim como uma amiga minha (cujo nome não mencionarei, mas ela foi pra Alemanha recentemente e não é a Nani) roubava as moedas deixadas na mão do pequeno Buda que há no Parque da Redenção de Porto Alegre.

Mas Deus quis compensar e mostrar que a graça é maior. Segunda-feira, antes de voltar pra São Paulo, visitei a minha outra amiga, filha do pastor da comunidade local. Bom, era feriado municipal em Limeira. Mas nada é mais inconveniente do que chegar na hora da faxina familiar. Enquanto todos varriam e passavam panos, eu esperava pacientemente sem saber onde me esconder, pensando se não deveria ir pra rodoviária de uma vez a fim de acabar com meu mal-estar. Uma música calma oriunda do aparelho de som ao fundo tornava o ambiente mais sombrio e sério, o que intensificava minha sensação de estar invadindo a privacidade familiar. Em um momento, o pastor sentou e disse que estava indo pra São Paulo à tarde para uma conferência de pastores da região (Sínodo Sudeste). Fiquei sem saber o que dizer, porque uma carona seria muito apropriada – economizar 30 reais não parecia má idéia.

A mulher do pastor, muito solícita, perguntou-me se uma carona não seria útil e intercedeu por mim após meu tímido sim. Mal os conhecia, coitados. Já fiquei pro almoço, obviamente, vendo minha situação ficar cada vez mais grave. Carona de graça, almoço de graça, discussões sobre a dura vida de mestrando com a esposa do pastor e tópicos em jogo da velha com a irmã de minha amiga. Durante o almoço, um breve interrogatório sobre a história de minha família, principalmente do meu pai, norte-coreano fugitivo.

No início da tarde, ainda encabulado, vi chegar o pastor de Rio Claro com seu carro: ele que seria o responsável pela carona. Fui acompanhado por três teólogos durante a viagem, que entretidos na discussão acerca da colonização germânica no interior de São Paulo, me deixaram reflexivo por um bom tempo observando a linda e inspiradora paisagem industrial de São Paulo. Finalmente chegamos a tal conferência dos pastores. Era bastante longe da minha casa a paróquia onde seria feito um churrasco para a pastorada. Resolvi entrar e perguntar pro pessoal da comunidade qual seria a melhor forma de ir para o meu bairro. Lá, encontrei uma amiga formada em teologia, a Bárbara. Também meio penetra na história, ela perguntou por que motivo eu não ficava lá pro churrasco de uma vez. Respondi que daí eu estaria explorando todo mundo naquele dia. Ao ouvir, o pastor de Rio Claro disse: “Você é luterano?”. “Sim”, afirmei. “Já ouviu falar sobre graça?”, perguntou ele.

Foi a melhor coisa que fiz, comi um excelente churrasco e combinei encontros pra organizar e movimentar a próxima oficina da JE com o pastor Matthias. Reencontrei amigos como a pastora Carla e a Bárbara, conheci outras pessoas legais, embora pastores (ninguém é perfeito), e ainda sentei na frente de uma entidade teológica que me tratou muito bem: Milton Schwantes. Quando pensava em como voltar pra casa em meio àquele breu, o pastor Frederico da minha paróquia avisou que estava indo em breve. Perfeito, carona até o ponto de ônibus que leva até minha casa. O pastor de Limeira não escondeu a risada ao saber da minha sorte completa quando eu estava indo embora. Se não foi a graça, pelo menos tudo naquele dia foi de graça.

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Raiva Contida

Só pra informar que devolveram-me os 2 mil reais que gastei, quero dizer, gastaram em meu nome na loja de lingeries.

Mas ando meio azarado ultimamente. Ocorreu na semana passada o fato. Era noite e estava voltando pra casa, caminhando calmamente pela rua. Uma senhora, acompanhada de seu cachorro, conversava com sua vizinha. O cão, que não tinha mais do que 30 cm, tentou rosnar ameaçadoramente ao me ver. "Bah, que medo, esse cachorro do tamanho de um rato", pensei. Quando eu passei por ele, nhec! O miserável me mordeu. A dona dele pediu desculpas e eu aceitei, uma vez que a mordida tinha sido bem fraca (aquele filho de uma cadela xenófobo mal devia ter dentes).

Quando cheguei em casa, vi que havia só um ponto de 1mm de diâmetro em que aparecia sangue timidamente. Nada jorrando, escorrendo ou coisa semelhante, a pele praticamente intacta. Como minha irmã é médica, resolvi avisá-la. Péssima idéia. Ela começou a falar pra eu fazer um monte de coisas pra eu não pegar raiva: ir no posto, ligar pra sei lá quem, ir pro hospital, etc., além de começar a me xingar (ok, eu a provoquei tratando-a asperamente). Até aí ela tinha razão de fato. Mas o pior foi que a minha mãe estava ouvindo a conversa. Meus colegas começaram a comentar sobre a possibilidade de eu começar a babar raivosamente e matar todos eles. Mamãe desesperada me ligou às 7 da madrugada do dia seguinte no celular (interurbano) umas 8 vezes, até acordar toda a casa. Tudo isso pra avisar que eu não deveria tomar chás ou coisas parecidas antes de tomar vacina anti-rábica (uma recomendação sem o menor fundamento médico ou popular, nasceu de sua criatividade - pelo menos herdei algo disso). Sei que ela me ama, mas ela paranoicamente me ligou (dessa vez apenas 7 vezes) no meio de uma aula à tarde. Eu sistematicamente desliguei na cara dela 6x (eu tava em aula), mas ela não entendeu. Atendi raivoso (não por causa da doença), mas respirei e pedi que ela não ligasse mais.

Passei no hospital universitário. Duas horas de espera. O médico olhou pra mordida e quase disse que, dada a descomunal força da mordida, a probabilidade de eu começar a babar raivosamente era da ordem de 10 elevado a -6256257. Não foi suficiente pra convencer as mulheres de minha família. A essa hora imaginei a cabeça de meu pai latejando. Ele praticamente nem falou comigo durante esse tempo. Só disse que não agüentava mais minha mãe comentando a respeito de raiva e do que ela tinha procurado no google a respeito. Finalmente, minha irmã leu em algum lugar que dizia ser muito difícil eu ter raiva com uma mordidinha daquelas. Ela se convenceu. Só disse pra eu procurar o cachorro pra ver se ele continuava saudável. Se ele estivesse doente, eu deveria tomar a vacina. Eu não lembrava mais em qual casa tinha sido, era noite. Procurei e não achei. Ela me disse pra bater em todas as casas da vizinhança. A essa altura, meus colegas se perguntavam porque eu ainda não tinha inventado uma mentira a respeito.

Finalmente minha irmã se cansou. Reclamou que a mãe tava ficando doida com isso e que iria colocar calmantes na comida dela. Teria minha mãe dito que iria até São Paulo resolver a situação. Quando na manhã de ontem eu tinha praticamente, após muita relutância, decidido inventar uma mentira pra minha mãe (pra chegar nesse ponto eu tava muito transtornado), lá estava o cachorro. O desgraçado andava calmamente pela rua cheirando os postes. Tava vivo, mas confesso que tive o sentimento pouco cristão de chutá-lo como faria um zagueiro com a bola dentro da pequena área. Mas passou a vontade.

Rapidamente, mandei uma mensagem pra minha irmã. Na resposta dela deu pra sentir o alívio. Minha mãe ligou à noite e disse que agora podia dormir tranqüila. Meu pai então assumiu o telefone e perguntou se tinha acabado tudo, seja lá o que tinha acontecido. Eu disse que sim e tudo voltou ao normal. Minha mãe não precisa vir pra cá. E que o cachorro continue vivo.

Embora minha probabilidade de morrer ainda deva ser expressa em notação científica, só queria dizer que, caso aconteça um desastre, adorei conhecê-los e que Deus esteja sempre com vocês. E que Ele me perdoe por ser tão impaciente com a minha família, que no final só faz isso porque se preocupa comigo.

Lingeries

Tive o seguinte diálogo no banco há alguns dias:

Eu: Boa tarde. Eu estava vendo meu saldo bancário hoje e estava estranhamente negativo em 1200 reais. Olhei o extrato e vi que na semana passada gastaram cerca de 2200 reais da minha conta, mas não fui eu. Acho que clonaram meu cartão. (faço cara de bosta).

Atendente: (faz cara de "é uma pena"). Hm, bem ruim isso. Vamos ver se a gente localiza onde foram gastos.

Eu: Não pode ter sido eu. Na semana passada eu estava em Santa Maria do Jetibá - ES, não usei meu cartão em momento algum. Esses valores maiores: 600, 500, 500 e 492 reais certamente não foram gastos por mim.

(minutos depois a atendente volta).

Atendente: Tem aqui onde foi gasto. Hm, aqui diz que os valores maiores foram gastos numa loja de...

Eu: Hm?

Atendente: lingeries... em Guarulhos

(momentos de constrangimento)

Eu: oops... Ahm, é que.... Bom, eu certamente não gastaria quase 2200 reais com calcinhas e sutiãs, muito menos em Guarulhos.

Atendente:(após análise mais cuidadosa) E esses gastos aqui? 23 no McDonald's e encheu 50 reais de tanque...

Eu: fanfarrão...