Fui a um rodeio. Eu admito. Não àqueles rodeios à moda gaúcha. Não, fui naqueles rodeios do interior paulista, onde cada sílaba terminada com “r” é uma verdadeira agressão aos ouvidos pouco acostumados com tamanhas atrocidades contra o bom português. A Festa do Peão da cidade de Limeira me proporcionou momentos bastante curiosos: pela primeira vez, vi com meus próprios olhos aquela competição maluca de peões tentando se equilibrar em cima de bois e cavalos que pulam desesperadamente. Afinal, quem não pularia tendo seus sacos escrotais espremidos? No entanto, não pude ver as cenas de picante imoralidade que dizem haver nesses eventos, talvez devido à chuva, que teve seu momento mais forte em meio ao show do Edson & Hudson. Talvez seja difícil imaginar Kang pulando ao som de Edson & Hudson em uma das primeiras filas da platéia.
Acordei quase ao meio-dia no dia seguinte: dormi na casa de uma amiga (acreditem, amiga mesmo, isso existe) e passei a tarde conhecendo o não-lugar de Limeira. Afinal, shoppings são não-lugares, como dizia o professor Sérgio Monteiro da UFRGS. Em qualquer cidade, shoppings são shoppings: todos iguais, padronizados, com suas vitrines iluminadas, objetos de idolatria de homens e mulheres problemáticos (eventualmente sou um deles quando a loja é de esportes). Se há um lugar em que a graça está completamente ausente, esse lugar é o shopping. Lá tudo é troca, tudo é comércio: é o lugar mais apropriado para idolatrar o deus mercado. Às vezes não é ruim tirar algo de lá, assim como uma amiga minha (cujo nome não mencionarei, mas ela foi pra Alemanha recentemente e não é a Nani) roubava as moedas deixadas na mão do pequeno Buda que há no Parque da Redenção de Porto Alegre.
Mas Deus quis compensar e mostrar que a graça é maior. Segunda-feira, antes de voltar pra São Paulo, visitei a minha outra amiga, filha do pastor da comunidade local. Bom, era feriado municipal em Limeira. Mas nada é mais inconveniente do que chegar na hora da faxina familiar. Enquanto todos varriam e passavam panos, eu esperava pacientemente sem saber onde me esconder, pensando se não deveria ir pra rodoviária de uma vez a fim de acabar com meu mal-estar. Uma música calma oriunda do aparelho de som ao fundo tornava o ambiente mais sombrio e sério, o que intensificava minha sensação de estar invadindo a privacidade familiar. Em um momento, o pastor sentou e disse que estava indo pra São Paulo à tarde para uma conferência de pastores da região (Sínodo Sudeste). Fiquei sem saber o que dizer, porque uma carona seria muito apropriada – economizar 30 reais não parecia má idéia.
A mulher do pastor, muito solícita, perguntou-me se uma carona não seria útil e intercedeu por mim após meu tímido sim. Mal os conhecia, coitados. Já fiquei pro almoço, obviamente, vendo minha situação ficar cada vez mais grave. Carona de graça, almoço de graça, discussões sobre a dura vida de mestrando com a esposa do pastor e tópicos em jogo da velha com a irmã de minha amiga. Durante o almoço, um breve interrogatório sobre a história de minha família, principalmente do meu pai, norte-coreano fugitivo.
No início da tarde, ainda encabulado, vi chegar o pastor de Rio Claro com seu carro: ele que seria o responsável pela carona. Fui acompanhado por três teólogos durante a viagem, que entretidos na discussão acerca da colonização germânica no interior de São Paulo, me deixaram reflexivo por um bom tempo observando a linda e inspiradora paisagem industrial de São Paulo. Finalmente chegamos a tal conferência dos pastores. Era bastante longe da minha casa a paróquia onde seria feito um churrasco para a pastorada. Resolvi entrar e perguntar pro pessoal da comunidade qual seria a melhor forma de ir para o meu bairro. Lá, encontrei uma amiga formada em teologia, a Bárbara. Também meio penetra na história, ela perguntou por que motivo eu não ficava lá pro churrasco de uma vez. Respondi que daí eu estaria explorando todo mundo naquele dia. Ao ouvir, o pastor de Rio Claro disse: “Você é luterano?”. “Sim”, afirmei. “Já ouviu falar sobre graça?”, perguntou ele.
Foi a melhor coisa que fiz, comi um excelente churrasco e combinei encontros pra organizar e movimentar a próxima oficina da JE com o pastor Matthias. Reencontrei amigos como a pastora Carla e a Bárbara, conheci outras pessoas legais, embora pastores (ninguém é perfeito), e ainda sentei na frente de uma entidade teológica que me tratou muito bem: Milton Schwantes. Quando pensava em como voltar pra casa em meio àquele breu, o pastor Frederico da minha paróquia avisou que estava indo em breve. Perfeito, carona até o ponto de ônibus que leva até minha casa. O pastor de Limeira não escondeu a risada ao saber da minha sorte completa quando eu estava indo embora. Se não foi a graça, pelo menos tudo naquele dia foi de graça.
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