sábado, 20 de dezembro de 2008

Vitrines e canais


Um homem caminha rapidamente em uma ponte que passa por cima de um canal. Ao atravessar a ponte, ele de repente pára em frente a uma porta. Da mesma forma que ele abriria a porta de um banheiro público, ele abre a vitrine iluminada por uma lâmpada vermelha. Não deixa de estar simplesmente satisfazendo uma espécie de necessidade. Ao lado dessa porta envidraçada, há outras iguais. Todas com uma luz vermelha. Em algumas, há mulheres em trajes sumários, oferecendo-se por quantias que superam € 50. Em outras, cortinas fechadas encobrindo o vidro, como na porta em que o homem entrou: é o momento do consumo.


O bairro da luz vermelha de Amsterdam é de fato curioso para quem não está acostumado. A hipocrisia moralista é substituída pela legalização daquilo que de fato sempre acontece, não importa o que a lei diga. As mulheres ficam em vitrines, o que escancara o fato da mulher se tornar mercadoria no mercado da prostituição. Enquanto isso, outros homens, alguns de distinta aparência, entram em outras portas. Em alguns corredores, mulheres horríveis. Em outros, mulheres realmente bonitas, cujos preços imagino serem altíssimos.


Amsterdam é conhecida também por sua tolerância às drogas. Tudo o que há de pior da Europa em termos de paz social, respeito e ordem deve ter a aspiração de passar alguns dias nessa cidade. Uma loja com um grande cogumelo na porta vendendo de tudo divide espaço com uma loja que vende flores, incluindo os bulbos das famosas tulipas holandesas: famosas não apenas por sua beleza, mas por terem sido protagonistas de uma crise econômica no século XVIII não muito diferente da vivenciada hoje com o mercado de crédito imobiliário. Mas não apenas tulipas, maconha oficial holandesa também é vendida. Encontramos até “starter kits” de maconha. A prova disso está devidamente registrada por fotos, que certamente não serão divulgadas para não acabar com minha futura e brilhante carreira política.


Esquece-se, todavia, de outras características da Holanda. De fato, a língua não é das mais belas de se ouvir, embora haja muitas mulheres belas. A arquitetura de seu centro antigo é bastante peculiar, com suas avenidas cortadas por inúmeros canais: tecnologia de séculos atrás segurando o mar através de diques.


Eu e meu amigo Philipe, ex-blogueiro do Rabiscos e atual do simples notas, estivemos visitando diversas partes de Amsterdam. Ele está fazendo a pós-graduação dele em Economia no Timbergen Institute, centro de excelência na área. Como grande admirador de música clássica, ele comprou ingressos para um concerto no Concert Gebouw, onde toca uma das melhores orquestras do mundo. O salão lotado de senhores e senhoras extremamente bem-vestidos era um contraste com o que havia de mais vil no bairro da Luz Vermelha. Provavelmente, alguns deles freqüentam assiduamente o bairro, entrando como se não quisessem nada (a situação é bem outra) em qualquer vitrine que lhe agrade mais. É a imagem que fica da cidade, mesmo tendo ouvido o excelente desempenho da orquestra com as obras de Dvorak e com o desempenho do reconhecido pianista brasileiro Nelson Freire.


Na manhã seguinte, abandonei o quarto do Philipe com banheiro pessoal em um bairro de estudantes. Ambiente agradável em que a cozinha é dividida com os demais moradores do andar. O essencial está ali para um estudante, o que seria o ideal para mim por exemplo na USP, mas que não existe no Brasil. No Brasil, prefere-se subsidiar o restaurante universitário para que todos os alunos das universidades públicas, um bando de famintos, possam comer decentemente pagando a justa quantia de R$ 1,90.



De Amsterdam, meu trem seguiria em direção à Düsseldorf, e então para a capital alemã Berlin.

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