segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Vivendo de(a) graça


Fui a um rodeio. Eu admito. Não àqueles rodeios à moda gaúcha. Não, fui naqueles rodeios do interior paulista, onde cada sílaba terminada com “r” é uma verdadeira agressão aos ouvidos pouco acostumados com tamanhas atrocidades contra o bom português. A Festa do Peão da cidade de Limeira me proporcionou momentos bastante curiosos: pela primeira vez, vi com meus próprios olhos aquela competição maluca de peões tentando se equilibrar em cima de bois e cavalos que pulam desesperadamente. Afinal, quem não pularia tendo seus sacos escrotais espremidos? No entanto, não pude ver as cenas de picante imoralidade que dizem haver nesses eventos, talvez devido à chuva, que teve seu momento mais forte em meio ao show do Edson & Hudson. Talvez seja difícil imaginar Kang pulando ao som de Edson & Hudson em uma das primeiras filas da platéia.

Acordei quase ao meio-dia no dia seguinte: dormi na casa de uma amiga (acreditem, amiga mesmo, isso existe) e passei a tarde conhecendo o não-lugar de Limeira. Afinal, shoppings são não-lugares, como dizia o professor Sérgio Monteiro da UFRGS. Em qualquer cidade, shoppings são shoppings: todos iguais, padronizados, com suas vitrines iluminadas, objetos de idolatria de homens e mulheres problemáticos (eventualmente sou um deles quando a loja é de esportes). Se há um lugar em que a graça está completamente ausente, esse lugar é o shopping. Lá tudo é troca, tudo é comércio: é o lugar mais apropriado para idolatrar o deus mercado. Às vezes não é ruim tirar algo de lá, assim como uma amiga minha (cujo nome não mencionarei, mas ela foi pra Alemanha recentemente e não é a Nani) roubava as moedas deixadas na mão do pequeno Buda que há no Parque da Redenção de Porto Alegre.

Mas Deus quis compensar e mostrar que a graça é maior. Segunda-feira, antes de voltar pra São Paulo, visitei a minha outra amiga, filha do pastor da comunidade local. Bom, era feriado municipal em Limeira. Mas nada é mais inconveniente do que chegar na hora da faxina familiar. Enquanto todos varriam e passavam panos, eu esperava pacientemente sem saber onde me esconder, pensando se não deveria ir pra rodoviária de uma vez a fim de acabar com meu mal-estar. Uma música calma oriunda do aparelho de som ao fundo tornava o ambiente mais sombrio e sério, o que intensificava minha sensação de estar invadindo a privacidade familiar. Em um momento, o pastor sentou e disse que estava indo pra São Paulo à tarde para uma conferência de pastores da região (Sínodo Sudeste). Fiquei sem saber o que dizer, porque uma carona seria muito apropriada – economizar 30 reais não parecia má idéia.

A mulher do pastor, muito solícita, perguntou-me se uma carona não seria útil e intercedeu por mim após meu tímido sim. Mal os conhecia, coitados. Já fiquei pro almoço, obviamente, vendo minha situação ficar cada vez mais grave. Carona de graça, almoço de graça, discussões sobre a dura vida de mestrando com a esposa do pastor e tópicos em jogo da velha com a irmã de minha amiga. Durante o almoço, um breve interrogatório sobre a história de minha família, principalmente do meu pai, norte-coreano fugitivo.

No início da tarde, ainda encabulado, vi chegar o pastor de Rio Claro com seu carro: ele que seria o responsável pela carona. Fui acompanhado por três teólogos durante a viagem, que entretidos na discussão acerca da colonização germânica no interior de São Paulo, me deixaram reflexivo por um bom tempo observando a linda e inspiradora paisagem industrial de São Paulo. Finalmente chegamos a tal conferência dos pastores. Era bastante longe da minha casa a paróquia onde seria feito um churrasco para a pastorada. Resolvi entrar e perguntar pro pessoal da comunidade qual seria a melhor forma de ir para o meu bairro. Lá, encontrei uma amiga formada em teologia, a Bárbara. Também meio penetra na história, ela perguntou por que motivo eu não ficava lá pro churrasco de uma vez. Respondi que daí eu estaria explorando todo mundo naquele dia. Ao ouvir, o pastor de Rio Claro disse: “Você é luterano?”. “Sim”, afirmei. “Já ouviu falar sobre graça?”, perguntou ele.

Foi a melhor coisa que fiz, comi um excelente churrasco e combinei encontros pra organizar e movimentar a próxima oficina da JE com o pastor Matthias. Reencontrei amigos como a pastora Carla e a Bárbara, conheci outras pessoas legais, embora pastores (ninguém é perfeito), e ainda sentei na frente de uma entidade teológica que me tratou muito bem: Milton Schwantes. Quando pensava em como voltar pra casa em meio àquele breu, o pastor Frederico da minha paróquia avisou que estava indo em breve. Perfeito, carona até o ponto de ônibus que leva até minha casa. O pastor de Limeira não escondeu a risada ao saber da minha sorte completa quando eu estava indo embora. Se não foi a graça, pelo menos tudo naquele dia foi de graça.

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Raiva Contida

Só pra informar que devolveram-me os 2 mil reais que gastei, quero dizer, gastaram em meu nome na loja de lingeries.

Mas ando meio azarado ultimamente. Ocorreu na semana passada o fato. Era noite e estava voltando pra casa, caminhando calmamente pela rua. Uma senhora, acompanhada de seu cachorro, conversava com sua vizinha. O cão, que não tinha mais do que 30 cm, tentou rosnar ameaçadoramente ao me ver. "Bah, que medo, esse cachorro do tamanho de um rato", pensei. Quando eu passei por ele, nhec! O miserável me mordeu. A dona dele pediu desculpas e eu aceitei, uma vez que a mordida tinha sido bem fraca (aquele filho de uma cadela xenófobo mal devia ter dentes).

Quando cheguei em casa, vi que havia só um ponto de 1mm de diâmetro em que aparecia sangue timidamente. Nada jorrando, escorrendo ou coisa semelhante, a pele praticamente intacta. Como minha irmã é médica, resolvi avisá-la. Péssima idéia. Ela começou a falar pra eu fazer um monte de coisas pra eu não pegar raiva: ir no posto, ligar pra sei lá quem, ir pro hospital, etc., além de começar a me xingar (ok, eu a provoquei tratando-a asperamente). Até aí ela tinha razão de fato. Mas o pior foi que a minha mãe estava ouvindo a conversa. Meus colegas começaram a comentar sobre a possibilidade de eu começar a babar raivosamente e matar todos eles. Mamãe desesperada me ligou às 7 da madrugada do dia seguinte no celular (interurbano) umas 8 vezes, até acordar toda a casa. Tudo isso pra avisar que eu não deveria tomar chás ou coisas parecidas antes de tomar vacina anti-rábica (uma recomendação sem o menor fundamento médico ou popular, nasceu de sua criatividade - pelo menos herdei algo disso). Sei que ela me ama, mas ela paranoicamente me ligou (dessa vez apenas 7 vezes) no meio de uma aula à tarde. Eu sistematicamente desliguei na cara dela 6x (eu tava em aula), mas ela não entendeu. Atendi raivoso (não por causa da doença), mas respirei e pedi que ela não ligasse mais.

Passei no hospital universitário. Duas horas de espera. O médico olhou pra mordida e quase disse que, dada a descomunal força da mordida, a probabilidade de eu começar a babar raivosamente era da ordem de 10 elevado a -6256257. Não foi suficiente pra convencer as mulheres de minha família. A essa hora imaginei a cabeça de meu pai latejando. Ele praticamente nem falou comigo durante esse tempo. Só disse que não agüentava mais minha mãe comentando a respeito de raiva e do que ela tinha procurado no google a respeito. Finalmente, minha irmã leu em algum lugar que dizia ser muito difícil eu ter raiva com uma mordidinha daquelas. Ela se convenceu. Só disse pra eu procurar o cachorro pra ver se ele continuava saudável. Se ele estivesse doente, eu deveria tomar a vacina. Eu não lembrava mais em qual casa tinha sido, era noite. Procurei e não achei. Ela me disse pra bater em todas as casas da vizinhança. A essa altura, meus colegas se perguntavam porque eu ainda não tinha inventado uma mentira a respeito.

Finalmente minha irmã se cansou. Reclamou que a mãe tava ficando doida com isso e que iria colocar calmantes na comida dela. Teria minha mãe dito que iria até São Paulo resolver a situação. Quando na manhã de ontem eu tinha praticamente, após muita relutância, decidido inventar uma mentira pra minha mãe (pra chegar nesse ponto eu tava muito transtornado), lá estava o cachorro. O desgraçado andava calmamente pela rua cheirando os postes. Tava vivo, mas confesso que tive o sentimento pouco cristão de chutá-lo como faria um zagueiro com a bola dentro da pequena área. Mas passou a vontade.

Rapidamente, mandei uma mensagem pra minha irmã. Na resposta dela deu pra sentir o alívio. Minha mãe ligou à noite e disse que agora podia dormir tranqüila. Meu pai então assumiu o telefone e perguntou se tinha acabado tudo, seja lá o que tinha acontecido. Eu disse que sim e tudo voltou ao normal. Minha mãe não precisa vir pra cá. E que o cachorro continue vivo.

Embora minha probabilidade de morrer ainda deva ser expressa em notação científica, só queria dizer que, caso aconteça um desastre, adorei conhecê-los e que Deus esteja sempre com vocês. E que Ele me perdoe por ser tão impaciente com a minha família, que no final só faz isso porque se preocupa comigo.

Lingeries

Tive o seguinte diálogo no banco há alguns dias:

Eu: Boa tarde. Eu estava vendo meu saldo bancário hoje e estava estranhamente negativo em 1200 reais. Olhei o extrato e vi que na semana passada gastaram cerca de 2200 reais da minha conta, mas não fui eu. Acho que clonaram meu cartão. (faço cara de bosta).

Atendente: (faz cara de "é uma pena"). Hm, bem ruim isso. Vamos ver se a gente localiza onde foram gastos.

Eu: Não pode ter sido eu. Na semana passada eu estava em Santa Maria do Jetibá - ES, não usei meu cartão em momento algum. Esses valores maiores: 600, 500, 500 e 492 reais certamente não foram gastos por mim.

(minutos depois a atendente volta).

Atendente: Tem aqui onde foi gasto. Hm, aqui diz que os valores maiores foram gastos numa loja de...

Eu: Hm?

Atendente: lingeries... em Guarulhos

(momentos de constrangimento)

Eu: oops... Ahm, é que.... Bom, eu certamente não gastaria quase 2200 reais com calcinhas e sutiãs, muito menos em Guarulhos.

Atendente:(após análise mais cuidadosa) E esses gastos aqui? 23 no McDonald's e encheu 50 reais de tanque...

Eu: fanfarrão...