sábado, 24 de janeiro de 2009

Nomadismo

Minha vida como mestrando foi muito conturbada. Cheguei a São Paulo no dia 30 de dezembro de 2006 com meu pai, que só veio ajudar no começo, e me ajeitei numa pensão. Passei o réveillon por lá e dormia sempre em um quarto que tinha paredes de divisórias feitas de plástico. Para completar, um dos meus vizinhos de pensão tinha um microfone dentro da garganta e sempre arranjava companhia para fazer café às duas da manhã na cozinha, muito próxima ao meu quarto. Ele realmente falava baixo, mas sua voz ressoava por toda a casa. Tenho propensão à insônia até no mais absoluto silêncio. Não preciso dizer mais nada

Tendo começado alegremente as aulas no dia 3 de janeiro, consegui, depois de muitos cafés (meus e do meu vizinho de voz ressoante) e noites mal-dormidas (tanto devido a estudo quanto devido a cafés alheios), arranjar um apartamento para morar. O menor apartamento de dois quartos que eu já vira, em condições que não eram das melhores, apesar da boa vontade da proprietária, pessoa aberta para ouvir seus inquilinos. Morei com um cara que já tinha morado com mais de centenas de pessoas em sua vida de estudante, o lendário TTF. Torcedor religioso e irracional do Galo, ele foi parar no BNDES um ano depois para agitar as noites cariocas, deixando-me sem alternativas para continuar morando no apartamento dividindo os custos. O remédio foi sair.

Os novos alunos do primeiro ano do mestrado (eu já estava no segundo) receberam-me amistosamente em sua elegante república. Tudo isso até perceberem que, por trás de meu fenótipo oriental metódico e esforçado, escondia-se o maior bagunceiro da casa (talvez concorrendo com outro colega, o tal de GT, pessoa de traços psicológicos sui generis). GRA, um mineiro também lendário que estudava deitado na cama o dia inteiro parecendo um bicho-preguiça; e HD, um brasiliense que joga cricket e que fazia o papel de mãe de GT, controlando suas travessuras, sofreram com minha magnânima falta de organização. Sorte deles que eu não tenho barba para deixar vestígios pela casa.

Antes de eu chegar, porém, morava um roedor na casa, que fora parar no Chile para fazer um curso. A iminente volta de RRG para o Brasil levou meus colegas ao desespero: cinco pessoas em um apartamento de três quartos era impensável, principalmente tendo Thomas entre eles. O remédio foi enviar Thomas de volta à vida nômade. Malandro e Guilherme, também amigos conhecidos na pós-graduação, tinham um quarto vago por uns meses, onde me instalei. Enquanto isso, comecei a procurar por apartamentos para janeiro. Meu ex-colega gaúcho Felipe teria que em breve abandonar o apartamento em que morava, vendido pelo seu proprietário sem prévio aviso (aluguel sem contrato dá nisso). Após muitas visitas e ligações, não encontramos apartamento, e fomos parar no meu ex-apartamento, no qual vivi com o velho TTF. Por circunstâncias incomuns, ele se encontrava vago seis meses depois de tê-lo abandonado.

O surgimento de uma boca de fumo na praça em frente de casa, a presença de três viaturas de policiais e a chegada de Juninho, amigo de UFRGS que tinha vindo fazer mestrado, foram fatores suficientes para decidirmos por sair. Conversamos com a proprietária e as coisas meio que se acertaram. Desde minha chegada a São Paulo, tinham se transcorrido para mim dois anos e cinco mudanças. Procurando apartamentos, entramos em vários que não nos agradaram. Passamos então pelo ex-prédio em que o Felipe morava, para que ele pudesse buscar correspondência. Por acaso, havia um apartamento legal e barato pra alugar: a sexta mudança é iminente.

Mais inusitado que isso, só encontrar o José Genoíno do PT em um supermercado de bairro em uma parte não muito fina do Butantã. Particularmente, no supermercado Violeta que fica na rua Boturoca. Isso é lugar de se encontrar ex-deputado federal? De qualquer maneira, logo devemos sair de perto desses lugares, onde Genoíno, bocas de fumo e estudantes da USP convivem em paz e harmonia. Quem sabe agora eu me torno sedentário e faço a revolução que meus antepassados fizeram no neolítico. Talvez a instabilidade do nomadismo explique a situação paleolítica da minha dissertação de mestrado.

sábado, 17 de janeiro de 2009

Se os tchecos não falassem tcheco...

No frio e no escuro, fui em direção à plataforma do trem na estação de Fulda, alguma cidadezinha no meio da Alemanha. Dois oficiais da Deutsche Bahn conferiam os bilhetes dos poucos passageiros do trem noturno em direção à Praga, capital da República Tcheca. O trem era antigo, mas como estava praticamente vazio, deitei-me com certo conforto sobre meu próprio mochilão. Já tinha passado da meia-noite, mas eu só chegaria em Praga às 8 da manhã, após uma surpreendente tranqüila noite de sono.

Já havia amanhecido, mas a estação de Praga conservava ainda uma iluminação turva. É como se os anos de comunismo tivessem deixado marcas impossíveis de se apagar. Por um momento, lembrei-me do livro do autor tcheco Kundera, que lera recentemente. A estação de Praha Holešovice não era moderna como as da Alemanha e em quase nada ajudava um pobre turista a encontrar o metrô para ir à estação central de Praga (em tcheco, Praha hlavní nádraží). Consegui, após alguma luta, comprar dinheiro tcheco e ligar para uma de minhas amigas que me esperavam na estação central. Contei-lhes da minha aflição em não entender uma palavra daquela estranha língua: era a primeira vez que de fato eu me deparava com uma língua eslava. Ainda que o alfabeto não fosse cirílico, de nada adiantava eu conhecer as letras quando oito consoantes e uma vogal juntas formavam uma palavra pronunciável (pelo menos os tchecos diziam que era pronunciável e eu ingenuamente acreditei neles).

A República Tcheca não é pobre, apesar da impressão deixada pela estação de trem. Segundo contaram minhas amigas tchecas, eles são algo entre a Europa Oriental e a Europa Ocidental, tanto em questões culturais como em questões de renda. Os palácios e antigas construções de Praga são extremamente bonitos: tudo conservado nas melhores condições. Conseqüentemente, o fluxo de turistas é imenso. Em geral, um bando de italianos gesticulando e falando alto, como é típico deles: aquela entonação característica, as vogais bem abertas com um ligeiro cantarolar irritante para alguns, maravilhoso para outros.

Conhecer os belos prédios tchecos, que não foram destruídos por guerras como aconteceu na Alemanha, é algo que vale bastante a pena. A estátua do famoso pré-reformador Jan Hus acima na foto é a prova disso. Mas ter guias simpáticas de lá sempre ajuda, principalmente se são suas amigas. Com elas, fui até para um culto da igreja protestante tcheca. Na Suécia, sabendo algumas regras de pronúncia era possível cantar os hinos. Na República Tcheca, não. Preposições como “z” não são pronunciáveis na minha cabeça, muito menos acentos circunflexos virados de ponta-cabeça em cima de consoantes. Mas para eles é: minha amiga Martina não escondia o riso em relação à minha dificuldade. Chegado o momento da pregação do pastor tcheco, achei que era um excelente momento para observar a arquitetura da igreja.

De qualquer forma, gostei muito de Praga. Minhas outras amigas Žaneta e Ester tinham alguma dificuldade no inglês, mas a gente se comunicava do jeito que dava, com a ajuda da Martina. Por duas vezes, sentamos para beber algumas das famosas cervejas tchecas. Embora eu não seja exatamente um cervejeiro, “breaco” (como dizem os paulistas), ébrio ou qualquer coisa parecida, a verdadeira cerveja Pilsen, a Pilsner Urquell, tem um excelente gosto amargo e característico. A Budweiser tcheca é muito, mas muito melhor do que a Budweiser americana. Com amigas, construções antigas e bonitas, e boas cervejas, fica fácil querer voltar pra Praga.