terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Alemães

O povo alemão é definitivamente um povo bem curioso. Na minha estadia na Alemanha, ouvi muita coisa sobre essa gente e também presenciei algumas cenas curiosas.

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Sempre ouvira falar como tudo funcionava perfeitamente na Alemanha. Um lugar em que as coisas são eficientes. Talvez não tenham a fama de extrema pontualidade que os ingleses têm, mas era de se esperar que os trens chegassem na hora.

No dia que cheguei à Alemanha, desci na estação central de Nürnberg e encontrei velhos amigos: a Mariana e o Vanderlei. A primeira estava indo embora justamente quando eu estava chegando: oi e tchau. Do segundo eu seria hóspede. No entanto, o atraso do trem acabou com todos meus planos de apenas cumprimentar a Mariana e despachá-la em seguida (só posso falar uma coisa dessas porque ela é minha amiga de infância). Por algum motivo, a Alemanha estava fazendo algumas manutenções em trens. Como o primeiro trem atrasou, ela iria perder o segundo e o terceiro sucessivamente. Enquanto isso, ela tentava ligar pra uma amiga que iria buscá-la no seu destino, porque ela possivelmente chegaria bem atrasada. Antes disso, já tínhamos corridos como baratas tontas cheios de malas atrás de informações sobre trens alternativos que a levassem ao mesmo destino, procurando nas listas amarelas as partidas de trens, falando com o pessoal do balcão de informações, etc. No fim das contas, ela se atrasou e não conseguiu falar com a amiga. O fim do mito da eficiência.

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Alguns dias depois, cheguei em Wittenberg, cidade onde iniciou-se a Reforma Luterana com as 95 teses expostas na porta da Igreja do Castelo da cidade em 1517. Encontrei um senhor muito gente boa que provavelmente foi contemporâneo de Lutero. Obviamente, ele não falava inglês. Assim, meu parco alemão somado a gestos foram as formas de comunicação empregadas, mas a gente se entendeu bem enquanto ele me levava à cidade velha.

Depois de ter visitado o museu na casa onde Lutero morara e as igrejas históricas, voltei à estação. Assim que cheguei lá, uma vontade absurda de ir ao banheiro (número 1) surgiu. Precisava de €0,50 para poder usufruir do banheiro. Tremendo, abri o zíper da minha carteira e fui empilhando ansiosamente as moedas de €0,10 e €0,05 no receptor preso à maçaneta da porta do banheiro. Completada a soma, a porta não abria. Dã. A porta só aceitava moedas de €0,50. Suando frio e me segurando tenso, fui em direção ao bar onde vendia-se wurst e pão. Já sabia que a atendente, uma senhora de fisionomia nada simpática, não falava inglês. Novamente, tentei recorrer ao meu pseudo-alemão. A língua alemã tem formas de tratamento informal e formal. Para “você”, há o termo informal “du” e o termo formal “Sie”. Como bom brasileiro não-acostumado a formalidades, cheguei pra mulher que me fitava dizendo: “Entschuldigung, kannst du...”. A mulher abruptamente interrompeu minha fala gritando um “Können Sie!!!” com os olhos flamejantes. Ainda em estado de choque, suando frio e tremendo, pedi desculpas e ela logo percebeu que eu precisava trocar moedas. Peguei avidamente as duas moedas como se valessem 50 euros e não 50 centavos cada. Pelo menos, pude acabar com minha ansiedade em seguida no mictório.

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O mijo rende muitas histórias. Voltando da República Tcheca, já em território alemão, entrei no trem e pensei em ir ao banheiro. Pelo menos desta vez não precisava pagar. A porta do banheiro sinalizava “banheiro livre”: nada mais natural do que abrir a porta. No entanto, a porta esbarrou em algo. Quando o algo começou a esbravejar palavras em alemão, provavelmente me amaldiçoando pelo tom, percebi que o algo era alguém. Não consegui ver a pessoa, mas pedi desculpas e voltei à minha poltrona. Afinal, a vontade não era tanta assim.

Meia hora depois, já quase na estação de destino, resolvi então peregrinar novamente em direção ao banheiro. Desta vez, a porta estava entreaberta. “Graças a Deus”, pensei. Não iria agüentar muito tempo mais. Empurrei a porta já entreaberta e a mesma voz pouco amistosa surgiu de dentro do banheiro esbravejando qualquer coisa que não entendi nem quero entender. Tive vontade de ensinar pra aquele velho de bexiga frouxa que quando se usa o banheiro, principalmente em locais públicos, fecha-se a porta, pelo menos em países selváticos como o Brasil. Respirei fundo e voltei ao meu lugar. Fiquei à espreita pra ver se o velho saía e só depois disso pude me livrar da água do joelho.

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Na última cidade que visitei, Munique, resolvi parar e comer um sorvete Häagen-Dazs. Uma atendente linda, simpática e de riso fácil salvou minhas impressões negativas da Alemanha. Além disso, indicou-me um excelente sabor de sorvete. Algo se salva ainda naquele país.

PS: Na verdade, gostei bastante da Alemanha. Mas permitam-me certa licença poética. Feliz Natal.

sábado, 20 de dezembro de 2008

Vitrines e canais


Um homem caminha rapidamente em uma ponte que passa por cima de um canal. Ao atravessar a ponte, ele de repente pára em frente a uma porta. Da mesma forma que ele abriria a porta de um banheiro público, ele abre a vitrine iluminada por uma lâmpada vermelha. Não deixa de estar simplesmente satisfazendo uma espécie de necessidade. Ao lado dessa porta envidraçada, há outras iguais. Todas com uma luz vermelha. Em algumas, há mulheres em trajes sumários, oferecendo-se por quantias que superam € 50. Em outras, cortinas fechadas encobrindo o vidro, como na porta em que o homem entrou: é o momento do consumo.


O bairro da luz vermelha de Amsterdam é de fato curioso para quem não está acostumado. A hipocrisia moralista é substituída pela legalização daquilo que de fato sempre acontece, não importa o que a lei diga. As mulheres ficam em vitrines, o que escancara o fato da mulher se tornar mercadoria no mercado da prostituição. Enquanto isso, outros homens, alguns de distinta aparência, entram em outras portas. Em alguns corredores, mulheres horríveis. Em outros, mulheres realmente bonitas, cujos preços imagino serem altíssimos.


Amsterdam é conhecida também por sua tolerância às drogas. Tudo o que há de pior da Europa em termos de paz social, respeito e ordem deve ter a aspiração de passar alguns dias nessa cidade. Uma loja com um grande cogumelo na porta vendendo de tudo divide espaço com uma loja que vende flores, incluindo os bulbos das famosas tulipas holandesas: famosas não apenas por sua beleza, mas por terem sido protagonistas de uma crise econômica no século XVIII não muito diferente da vivenciada hoje com o mercado de crédito imobiliário. Mas não apenas tulipas, maconha oficial holandesa também é vendida. Encontramos até “starter kits” de maconha. A prova disso está devidamente registrada por fotos, que certamente não serão divulgadas para não acabar com minha futura e brilhante carreira política.


Esquece-se, todavia, de outras características da Holanda. De fato, a língua não é das mais belas de se ouvir, embora haja muitas mulheres belas. A arquitetura de seu centro antigo é bastante peculiar, com suas avenidas cortadas por inúmeros canais: tecnologia de séculos atrás segurando o mar através de diques.


Eu e meu amigo Philipe, ex-blogueiro do Rabiscos e atual do simples notas, estivemos visitando diversas partes de Amsterdam. Ele está fazendo a pós-graduação dele em Economia no Timbergen Institute, centro de excelência na área. Como grande admirador de música clássica, ele comprou ingressos para um concerto no Concert Gebouw, onde toca uma das melhores orquestras do mundo. O salão lotado de senhores e senhoras extremamente bem-vestidos era um contraste com o que havia de mais vil no bairro da Luz Vermelha. Provavelmente, alguns deles freqüentam assiduamente o bairro, entrando como se não quisessem nada (a situação é bem outra) em qualquer vitrine que lhe agrade mais. É a imagem que fica da cidade, mesmo tendo ouvido o excelente desempenho da orquestra com as obras de Dvorak e com o desempenho do reconhecido pianista brasileiro Nelson Freire.


Na manhã seguinte, abandonei o quarto do Philipe com banheiro pessoal em um bairro de estudantes. Ambiente agradável em que a cozinha é dividida com os demais moradores do andar. O essencial está ali para um estudante, o que seria o ideal para mim por exemplo na USP, mas que não existe no Brasil. No Brasil, prefere-se subsidiar o restaurante universitário para que todos os alunos das universidades públicas, um bando de famintos, possam comer decentemente pagando a justa quantia de R$ 1,90.



De Amsterdam, meu trem seguiria em direção à Düsseldorf, e então para a capital alemã Berlin.