terça-feira, 3 de agosto de 2010

Diferentes iguais

Meu primeiro torneio de futebol ocorreu no jardim de infância, quando eu tinha cinco anos de idade. Foi pedido a todas as crianças que trouxessem uma camisa de futebol. Transmiti o recado aos meus pais, que não vendo solução melhor para isso, uma vez que eu não tinha qualquer fardamento futebolístico, vestiram-me com uma camisa que tinha um símbolo no lado direito do peito e disseram-me que era a camisa de um time de futebol coreano.

Um de meus colegas chamado João Paulo notou a diferença e perguntou que camisa era aquela. Afinal, ela em nada se parecia com uma camisa de futebol. Não sei se acreditei nos meus pais ou se foi meu primeiro auto-engano (para eu me lembrar até hoje desse episódio), mas apenas repeti o que meus pais tinham dito. Acho que o João Paulo, com sua camisa do Botafogo (vai entender porque ele tinha uma camisa do Botafogo estando em Porto Alegre), acreditou na história.

Ele virou as costas e, como sempre, percebi a sua estranha verruga logo abaixo da nuca. Uma daquelas peludas, mas separada do couro cabeludo, uma ilha de cabelos com forma geométrica irregular. E peluda, como uma daquelas aranhas caranguejeiras. Sempre achei aquilo muito estranho, como se não coubesse em meu platônico mundo das ideias infantil. Mas talvez ele ou outros achassem estranho meus olhos puxados, assim como também achassem(os) estranho uma pessoa negra no meio deles – principalmente em uma cidade predominantemente branca, ainda mais nos estratos médio e alto de renda.

Nessa turma do jardim de infância, havia também a menina mais bonita – como sempre. Era a Débora, com suas duas chiquinhas simétricas em cada lado da cabeça. Foi minha primeira frustração amorosa, uma vez que ela era “namoradinha” do Luis Afonso, cuja principal característica era ser “babão”. Não que eventualmente minha saliva não escorra involuntariamente de minha boca enquanto durmo na biblioteca até hoje, para, logo após observar maravilhado a arte feita na mesa, olhar para todos os lados a fim de verificar se não fui descoberto em flagrante. Mas eu não podia entender ou tolerar que a guria mais bonita gostasse do menino que balbuciava fazendo bolhas de saliva.

Assim como as crianças, somos pouco tolerantes ao natural. O diferente às vezes incomoda e não sabemos como lidar com ele. A saída é por vezes é uma piada infeliz ou fechar os olhos para o mundo, criando um outro mundo paralelo quando convém.

Fiquei feliz no último Congresso Nacional da Juventude da igreja a qual pertenço, a igreja de confissão luterana. Era difícil fazer os 800 jovens, em sua maioria adolescentes, ficarem quietos em apresentações de corais de idosos ou de orquestras infantis. Mas em um momento específico, quando passou um vídeo no telão mostrando uma jovem cega “escrevendo” em braile o tema e o lema do congresso, um silêncio sepulcral tomou conta do ginásio. Nem os grilos do pátio se manifestaram. Ali, aqueles jovens, com todos os seus defeitos, mas que se consideram cristãos e luteranos, deram-se conta de que o diferente era igual. Afinal, somos todos filhos e filhas de Deus, igualmente amados e valorizados.

Todos então bateram palmas na linguagem dos surdos-mudos, balançando ambas as mãos em silêncio, sem exceção. Respirei fundo e fiquei pensativo. Não é sempre que acreditamos que esse mundo ainda tem salvação.

*Agradeço ao Amir Straub por parte dessas ideias, advindas após uma reunião que organizamos no grupo de jovens de nossa paróquia, a JESP, sobre a música “Ninguém=Ninguém” dos Engenheiros do Hawaii e com base na passagem bíblica de I Coríntios 12.12-31.