domingo, 28 de junho de 2009

Schneeballschlacht?

Na última vez que escrevi sobre alemães, ressaltei apenas os pontos negativos e, na verdade, bizarros de minha passagem por aquele país. Recebi inúmeras cartas e comentários achando estranho que eu não tivesse gostado da Alemanha (como se fossem inúmeros os visitantes e fãs deste blog). Evidentemente, o que escrevi foi uma injustiça e acabei sendo mal-interpretado. A Alemanha é um ótimo país para se visitar e além de encontrar alemães excêntricos mencionados em um post anterior, encontrei também muitas pessoas das quais guardo excelentes lembranças.

Cruzei a Alemanha de norte a sul e de leste a oeste na primeira semana de advento em dezembro – acho que conheço muito bem os percursos da Deutsche Bahn (a empresa de trens). Houve um dia em que, para espanto de alguns, parei em Remscheid, cidade próxima a Köln, ou Colônia em bom português. Conhecia o grupo de jovens da igreja evangélica (a igreja territorial local uniu luteranos e reformados) em Remscheid porque eles tinham visitado o Brasil meses antes. Ficaram algumas semanas em Limeira e vieram para São Paulo em uma tarde de sexta-feira para conhecer o trabalho da Paróquia São Paulo – Centro com moradores de rua. Fiquei em contato por e-mail com um dos líderes do grupo, o jovem Jan, ainda terminando seus estudos secundários, um cara muito gente boa. Quando eu o avisei que estava indo pra Alemanha, ele imediatamente ofereceu-me sua casa e pude ficar dois dias e meio em sua cidade, Remscheid.

Como mencionei, de repente eu estava ali em Remscheid. E foi lá que eu realmente vi neve em generosas quantidades pela primeira vez. Na Suécia, eu vira neve suja no chão e uma bola de neve trazida por um pequeno sueco que a guardara no congelador por uma semana para que o brasileiro aqui pudesse ver. Na Noruega, estava frio e escuro, mas não tinha nevado. Em Neuendettelsau, ao sul da Alemanha, conheci o tal do Schneeregen, algo que parece neve, mas molha irritantemente e tem pouca consistência. (Aliás, Schneeregen segue a velha lógica germânica: Schnee significa neve e Regen, chuva. Nada mais apropriado para algo que não é chuva nem neve). Em Remscheid, acordei e estava tudo coberto de neve (apenas Schnee). Fui à escola com Jan e Juliane, sua simpática namorada, de pai italiano e mãe alemã. Ao nos aproximarmos da escola, flocos caíam sem pressa alguma de se encontrar com o chão esbranquiçado e percebi que as crianças já tinham armado uma guerra de bolas de neve logo antes da aula.

Assisti a uma aula de inglês e pude ver a abissal distância que há entre as aulas de inglês em um Gymnasium alemão e nossas melhores escolas. Comparativamente às outras escolas particulares de Porto Alegre, o inglês que tive no Colégio Militar era muito superior. Entretanto, o nível da discussão nessa escola alemã estava alguns andares acima do que eu tivera em meus tempos de ensino médio. Há uma diferença fundamental, é verdade: o Gymnasium é uma escola destinada àqueles que vão cursar universidades e, assim, é natural que essa escola tenha uma qualidade muito superior, uma vez que já foi feita uma seleção entre os alunos. Além do Gymnasium, há ainda mais dois tipos de escolas destinadas a ensino mais técnico do que acadêmico (ou seja, para os que não eram bons alunos). Um sistema talvez um pouco injusto porque pune excessivamente os erros passados, mas provavelmente eficiente, como os alemães geralmente costumam ser.

Mas além dessas constatações sociológicas, a parte mais legal de minha visita à cidade foi conhecer a igreja local e o belo espaço reservado aos jovens. No espaço grande, com cozinha e tudo, fizemos algumas panquecas, além é claro de jogar um pouco de tênis de mesa e conversar. No dia seguinte, fomos visitar os jovens da cidade vizinha, que também estavam no grupo que veio ao Brasil. Fui recebido de forma muito mais amistosa do que supunha por pessoas que tinham conversado comigo por apenas uma tarde. Conversamos comendo raclette e gastamos boas horas ali falando sobre a vida, até que todos decidiram, é claro, que era hora de uma guerra de bola de neve. (Sigamos novamente a lógica germânica: bola de neve obviamente é Schneeball. E, como Schlacht é batalha ou luta, a guerra de neve é Schneeballschlacht - que língua prática, assim é fácil operar a HP12C). E, mais do que isso, eles decidiram que eu precisava fazer meu primeiro boneco de neve (sigamos a lógica germânica: Schneemann). Foi divertido ser a criança que nunca pude ser por viver em um país que não neva.

Jan e seus amigos ainda me levaram para patinar no gelo em um dos dias. Foi no mínimo desastroso e agradeço a Deus por não ter perdido nenhum membro, que poderia ter sido cortado pelas lâminas de patins alheios de crianças que patinavam esbaforidamente. Talvez tenha sido curioso para elas ver um rapaz de 23 anos de feições orientais ter dificuldades imensas para andar mais do que alguns metros sem despencar no chão de gelo. Por sorte, não houve ferimentos comprometedores.

Deixei por lá alguns presentes e uma infinidade de agradecimentos. Baguncei a vida deles por uns dois dias, mas tenho certeza que eles gostaram de receber um irmão da igreja no Brasil. E eu posso dizer o mesmo. É bom se sentir em casa mesmo estando tão longe. De certa forma, não deixa de ser em casa, quando estamos na casa do Pai com irmãos. Como dizia a música que costumava cantar em minha adolescência na igreja, é “onde o céu toca a terra [...] que chega a verdadeira paz”.

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Odores e sabores

"A memória dos odores é muito rica", disse John Steinbeck no começo de um de seus mais famosos romances, mas eu acrescentaria também a memória dos sabores que as acompanham. Ontem mesmo, tive uma experiência nostálgica ao sentir o fumegar de uma sopa oriental que minha mãe costumava preparar para mim, saboreando-a em seguida com uma satisfação quase infantil.

Recentemente estive me Genebra em mais uma reunião do Conselho Mundial de Igrejas (CMI). Debatíamos que posicionamento deveriam as igrejas tomar diante da atual crise mundial e, nos intervalos, degustamos as refeições do hotel onde nos encontrávamos. O sabor era bom e os pratos eram esteticamente perfeitos, como se a beleza fosse mais importante do que a capacidade de matar a fome. A quantidade não era generosa e era exatamente o que deveria ser: apenas mais uma refeição de restaurante chique. Refeições caras que nos tornavam até hipócritas diante de nossas discussões sobre os nefastos efeitos da crise mundial sobre os pobres.

Lembrei da reunião que o CMI promoveu em Cuba, em um seminário teológico em Matanzas. Estou muito longe de ser fã da ditadura cubana - pelo contrário. Contudo, senti-me muito bem recebido em meio ao povo cubano. Lembro-me das refeições simples, com seus sabores e odores caseiros, com seus temperos particulares da região, preparadas por diligentes e simpáticas senhoras cubanas, provavelmente voluntárias. Também almoçamos em uma igreja presbiteriana em Havana, onde recebemos generosos pratos - comida feita pela comunidade. Não sei exatamente por que, sentia-me realmente bem durante aquelas refeições. Os cubanos infelizmente são pobres e, conseqüentemente, não podem nos oferecer iguarias em restaurantes. Mas pensando bem, prefiro essa refeições caseiras e simples.

Algum outro dia reclamaram quando descrevi minhas incursões a restaurantes em Oslo, durante uma outra reunião, desta vez no inverno escandinavo. Patrocinados pela rica Igreja da Noruega, saboreei peixes de sabores diversos com deliciosos acompanhamentos tradicionais de Natal. Novamente, esbáldavamo-nos em gula em meio a uma reunião de igreja. Nesses momentos, como também após dias de bandejão da USP ou de restaurantes chiques aqui mesmo no Brasil, a comida simples da mãe distante, com seus sabores e odores característicos, voltam à memória. Uma sensação de nostalgia se abate.

Após meses em São Paulo sem voltar pra casa em Porto Alegre, alguns conhecidos foram comigo aproveitar um fim de semana com promoções em restaurantes de São Paulo. Depois de esperar em filas, entramos em um aparentemente fino restaurante de cozinha espanhola. Novamente, refeições estéticas, quantidades mínimas, ambiente excessivemente artificial, todos reclamando dos pratos. Boa companhia, é verdade, mas nada como as paredes da sala de jantar em Porto Alegre ou como as refeições caseiras cubanas. Nem com meros salsichões na fogueira é possível comparar, como fiz na Suíça com meus amigos no alto de um monte com vistas para os Alpes, no dia subsequente às culinariamente finas reuniões do CMI. 

A refeição ceseira bem feita em ambientes que nos sentimos acolhidos e participantes sempre me parece melhor. A memória dos odores e sabores se associa a todos os outros sentimentos de satisfação nesses ambientes. Pelo menos em parte, Steinbeck tinha razão.