Prestei meu primeiro concurso aos 11 anos de idade. Concurso difícil para entrar na melhor escola de Porto Alegre, o Colégio Militar. Comecei a estudar dois meses antes da prova em casa com a ajuda de minha mãe que sentava comigo e estudava matemática todos os dias, enquanto muitos estudavam desde o início do ano em cursos preparatórios. Em um sábado, fomos conferir o resultado final do concurso no portão do colégio. Eu e meu pai. “Thomas Hyeono Kang – 4º lugar”. Olhei com meu pai com expectativa, lembro até hoje. Ele disse “poderia ter sido 3º, aí entraria no pódio”.
Não vou culpar meu pai, ser humano como qualquer outro, e que tentou dar o melhor para seu filho, assim como a minha mãe. Eles amam a sua maneira, sem conseguir demonstrar diretamente, uma doença bem comum entre pais orientais. De qualquer forma, até hoje cobro demais de mim mesmo. Decepciona-me profundamente ter feito algo sem o devido cuidado ou perceber que sou incapaz de algo. Hoje, meus pais não exigem muito de mim, basta eu. E assim ocorre com muitas pessoas. Conheço muitos casos mais extremos e, embora reconheça que esse tipo de exigência tenha suas vantagens (acho que sou relativamente saudável), percebo que o custo é alto para alguns.
A avidez com que olhei para meu pai, esperando o sinal de aprovação dele não deixava de ser o desejo de ser aceito. Em nosso mundo, em que a noção de justiça se baseia no mérito, queremos ser aceitos porque fizemos algo. Queremos fazer por merecer, inclusive o amor de pais, irmãos, amigos e namoradas. E por acreditar que não preenchemos as expectativas (nossas e dos outros), não conseguimos amar a nós mesmos.
Fui criado sob uma educação evangélica, em que me sentia obrigado a me portar como nossos pais e a nossa comunidade esperava que eu me comportasse. Como não conseguimos sempre nos comportar como esperam, carregamos nossos pecados com amargor, escondemos aqueles sentimentos que nos envergonham. A comunidade, a família ou os amigos, todos lançam um olhar julgador. É por isso que talvez os lugares mais hipócritas do mundo sejam justamente as igrejas, cuja essência deveria ser a pregação do Evangelho, mas que acaba transformando tudo numa lei opressora que joga a culpa em cima de nós e nos tira a possibilidade do perdão e da graça. Cria pessoas doentes que não conseguem se perdoar a si mesmas, quanto mais serem perdoadas por Deus.
Por muito tempo pensei no que deveria fazer para sentir a presença de Deus. Novamente, fazer algo, achar uma receita, fazer por merecer. Quando expus a um amigo suíço meus problemas quanto a isso, enquanto caminhávamos na escuridão em Bern, ele olhou e disse “não tente acreditar em Deus”. Em resposta ao meu olhar estupefato, ele continuou: “não tente agarrar-se a Deus com todas as forças, não o torne um objeto. Deus se relaciona conosco, deixe ele dar o primeiro passo”. É Deus que vem, não nós que fazemos algo para merecer encontrá-lo.
Lutero por muito tempo também tentou merecer o amor de Deus, assim como muitas vezes tentamos merecer o amor de nós mesmos. Lutero se penitenciava, batia em si mesmo por causa de seus pecados. Mas não conseguia parar de pecar e a situação só piorava. Quando ele percebeu que o amor de Deus é incondicional, que mesmo em pecado Ele está com a gente, que ele não quer seres perfeitos, mas pessoas que o sigam, ele pôde parar de se torturar.
Ao tentarmos merecer o amor de nós mesmos, dos outros e de Deus, caímos em um círculo vicioso. Jesus disse-nos que devemos amar os outros como a nós mesmos. Sentimos pena de nós mesmos, não nos sentimos merecedores de nada e ficamos centrados apenas em nosso ego ferido. Esquecemos de olhar para o próximo.
Philip Yancey, um excelente autor cristão (um dos poucos bons, diga-se de passagem), costuma dizer que é cristão apesar da Igreja. O Deus que conhecemos nas igrejas costuma ser julgador e ameaçador. Mas não é esse o Deus trazido por Cristo. Cristo conta-nos a parábola do filho pródigo, que após pegar a herança do pai, esbanjá-la irresponsavelmente e se perder na vida, volta para casa pedindo para ser escravo do pai, uma vez que não merecia ser seu filho de novo. O pai, ao ver isso, não o condena, nem exige algo para que ele recupere sua condição de filho. Ele o abraça e o recebe como filho novamente. Não precisamos fazer por merecer para sermos amados.
“Pecca fortiter”, dizia Lutero. Peca com coragem, sabendo que a graça é maior, que Deus perdoa. Não significa que agora saímos pecando deliberadamente. É apenas um chamado para olharmos a vida com coragem, porque acabaremos pecando como qualquer ser humano, mas que Deus está conosco mesmo sem merecermos. Espero eu, no futuro, conseguir fazer meus filhos entenderem que são amados, mesmo quando não correspondem as expectativas. Afinal, a graça encontra beleza em tudo, como diz a música do U2.