segunda-feira, 11 de maio de 2009

Fazer por merecer

Prestei meu primeiro concurso aos 11 anos de idade. Concurso difícil para entrar na melhor escola de Porto Alegre, o Colégio Militar. Comecei a estudar dois meses antes da prova em casa com a ajuda de minha mãe que sentava comigo e estudava matemática todos os dias, enquanto muitos estudavam desde o início do ano em cursos preparatórios. Em um sábado, fomos conferir o resultado final do concurso no portão do colégio. Eu e meu pai. “Thomas Hyeono Kang – 4º lugar”. Olhei com meu pai com expectativa, lembro até hoje. Ele disse “poderia ter sido 3º, aí entraria no pódio”.

Não vou culpar meu pai, ser humano como qualquer outro, e que tentou dar o melhor para seu filho, assim como a minha mãe. Eles amam a sua maneira, sem conseguir demonstrar diretamente, uma doença bem comum entre pais orientais. De qualquer forma, até hoje cobro demais de mim mesmo. Decepciona-me profundamente ter feito algo sem o devido cuidado ou perceber que sou incapaz de algo. Hoje, meus pais não exigem muito de mim, basta eu. E assim ocorre com muitas pessoas. Conheço muitos casos mais extremos e, embora reconheça que esse tipo de exigência tenha suas vantagens (acho que sou relativamente saudável), percebo que o custo é alto para alguns.

A avidez com que olhei para meu pai, esperando o sinal de aprovação dele não deixava de ser o desejo de ser aceito. Em nosso mundo, em que a noção de justiça se baseia no mérito, queremos ser aceitos porque fizemos algo. Queremos fazer por merecer, inclusive o amor de pais, irmãos, amigos e namoradas. E por acreditar que não preenchemos as expectativas (nossas e dos outros), não conseguimos amar a nós mesmos.

Fui criado sob uma educação evangélica, em que me sentia obrigado a me portar como nossos pais e a nossa comunidade esperava que eu me comportasse. Como não conseguimos sempre nos comportar como esperam, carregamos nossos pecados com amargor, escondemos aqueles sentimentos que nos envergonham. A comunidade, a família ou os amigos, todos lançam um olhar julgador. É por isso que talvez os lugares mais hipócritas do mundo sejam justamente as igrejas, cuja essência deveria ser a pregação do Evangelho, mas que acaba transformando tudo numa lei opressora que joga a culpa em cima de nós e nos tira a possibilidade do perdão e da graça. Cria pessoas doentes que não conseguem se perdoar a si mesmas, quanto mais serem perdoadas por Deus.

Por muito tempo pensei no que deveria fazer para sentir a presença de Deus. Novamente, fazer algo, achar uma receita, fazer por merecer. Quando expus a um amigo suíço meus problemas quanto a isso, enquanto caminhávamos na escuridão em Bern, ele olhou e disse “não tente acreditar em Deus”. Em resposta ao meu olhar estupefato, ele continuou: “não tente agarrar-se a Deus com todas as forças, não o torne um objeto. Deus se relaciona conosco, deixe ele dar o primeiro passo”. É Deus que vem, não nós que fazemos algo para merecer encontrá-lo.

Lutero por muito tempo também tentou merecer o amor de Deus, assim como muitas vezes tentamos merecer o amor de nós mesmos. Lutero se penitenciava, batia em si mesmo por causa de seus pecados. Mas não conseguia parar de pecar e a situação só piorava. Quando ele percebeu que o amor de Deus é incondicional, que mesmo em pecado Ele está com a gente, que ele não quer seres perfeitos, mas pessoas que o sigam, ele pôde parar de se torturar.

Ao tentarmos merecer o amor de nós mesmos, dos outros e de Deus, caímos em um círculo vicioso. Jesus disse-nos que devemos amar os outros como a nós mesmos. Sentimos pena de nós mesmos, não nos sentimos merecedores de nada e ficamos centrados apenas em nosso ego ferido. Esquecemos de olhar para o próximo.

Philip Yancey, um excelente autor cristão (um dos poucos bons, diga-se de passagem), costuma dizer que é cristão apesar da Igreja. O Deus que conhecemos nas igrejas costuma ser julgador e ameaçador. Mas não é esse o Deus trazido por Cristo. Cristo conta-nos a parábola do filho pródigo, que após pegar a herança do pai, esbanjá-la irresponsavelmente e se perder na vida, volta para casa pedindo para ser escravo do pai, uma vez que não merecia ser seu filho de novo. O pai, ao ver isso, não o condena, nem exige algo para que ele recupere sua condição de filho. Ele o abraça e o recebe como filho novamente. Não precisamos fazer por merecer para sermos amados.

“Pecca fortiter”, dizia Lutero. Peca com coragem, sabendo que a graça é maior, que Deus perdoa. Não significa que agora saímos pecando deliberadamente. É apenas um chamado para olharmos a vida com coragem, porque acabaremos pecando como qualquer ser humano, mas que Deus está conosco mesmo sem merecermos.  Espero eu, no futuro, conseguir fazer meus filhos entenderem que são amados, mesmo quando não correspondem as expectativas. Afinal, a graça encontra beleza em tudo, como diz a música do U2. 

14 comentários:

Unknown disse...

muito obrigado por esta bela mensagem Thomas!! Foi muito especial para mim ler nesta manhã este convite à fé! Eu tinha anotado para fazer um estudo bíblico sobre Gálatas 2.11-21, um classico debate entre PEdro e Paulo sobre a Lei e o Evangelho. Teu texto caiu como uma luva para que eu não teologizasse demais o discurso, mas que eu apontasse para aquilo que, de fato, é essencial na vida cristã: a graça do Senhor Jesus, que não depende do meu merecimento, nem do meu querer, mas de Deus que demonstra seu amor por nós através da cruz!
É nesta hora que dá novamente alegria de ouvir aquele velho hino "Rude cruz"!! Que Deus te abençoe!

Thomas H. Kang disse...

Legal que foi de ajuda pra alguém! Só por isso, já vale a pena tê-lo escrito.
Fica com Deus também

[acabei de voltar da reunião do CMI, outra hora conversamos]

Suzie Kang disse...

Muito bom texto, Thomas! Sempre foste mais sensivel e filosofico do que eu! Que este dom sempre te traga mais luz na sua vida! E não deixe angústia se perpetuar em questões que muitas vezes nao achamos respostas! Tu sabes que eu sempre fui muito prática, ne? hehehe... Faça sempre do limão uma limonada, o que quer que seja!!! Que Deus sempre te acompanhe!

Suzie Kang disse...

e só para complementar: acho que nosso pai nao gosta do nº4..heheheh: ele também dizia isso para mim quando eu era semrpe a 4ª colocada na classificação geral do ano no 2º grau! Só sossegou quando me formei, que fui 2ª... hahaha

André Orsini disse...

Esse assunto sempre foi o centro dos nossos diálogos, e agora eu poderia dizer que o texto está perfeito! Parabéns, Kang!
Fica com Deus!
Abração!

Svoboda disse...

Muito bom cara, legal essa reflexão sobre si, também me identifiquei em algumas partes em relação a cobrança dos pais, que depois passou a ser a minha cobrança em não poder falhar e "saber tudo", exceto português - lingua maldita! -

Abraço!

Diana Gilli disse...

Eu pensei em metade do que você escreveu hoje, ao voltar da ministração do coral de hoje. Foi exatamente o que eu pensei.

Fique na paz.

Renato Lauris disse...

Muito bom texto Thomas! A gente normalmente se deixa levar por cobranças pessoais e da "sociedade" para que atingimos certos objetivos. Aí acho que o excesso de expectativas, quando são frustradas cria exatamente esse círculo vicioso. Casualmente estou lendo um livro do Dalai Lama, que aborda muito desses assuntos. Estou curtindo bastante. Mas teu texto resume muito disso em poucas palavras. Meus parabéns pelo belos insights! Um abração!

Daniel e Júlia disse...

"Porque vos foi concedida a graça de padecerdes por Cristo e não somente de crerdes nele" (Fp 1:29)

"Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, tome a sua cruz e siga-me" (Mt 16:24)

"Entrega teu caminho ao SENHOR, confia nele, e o mais ele fará" (Salmos 37:5)

Jonas Beier disse...

e ae Thomas... bom,peço desculpas por nao ter lido antes teu texte, mas afim, aqui estou heheh. Tche, já pensou em fazer teologia? hehe brincadeiras a parte, gostei do texto também, assim como os outros que comentaram.
Nesta linha de pensamento, isso é que move, cristãos, a amar o próximo e a servi-los com alegria, sem pensar em recompensa ou fazer diaconia para merecermos a graça. abraço

Dammy disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Thomas H. Kang disse...

Olá, Damaris.
Sim, podemos conversar (embora eu às vezes demore pra responder). Entre no meu perfil e me mande um email se for o caso. E eu tenho FB sim, mas não encontrei seu nome.
Obrigado pelo comentário
Até mais,
Thomas

Priscila Baima disse...

Olá. Você não me conhece. Meu nome é Priscila. Estava eu digitando umas coisas para pesquisar os ditados populares e me veio à cabeça o "fazer por merecer" e digitei. Nas primeiras buscas, encontrei o seu blog e decidi clicar para ler e gostei. Muito bom texto, muito mesmo. Eu vi que não só são palavras, mas um contexto com um fundamento muito bem elaborado, que fala de um assunto muito mal colocado na sociedade: a superação e o encontro de si mesmo e da opinião própria. Gostei mesmo. Sou de Fortaleza, CE.

Gestão de Pessoas disse...

Boa noite!

Achei seu texto, bacana mas peço permissão a você para discordar de algumas coisas!

A Igreja não prega que nós devemos merecer a graça ou o perdão de Deus, pelo contrário. A Igreja de Cristo prega que a graça é um favor imerecido - simplesmente nos é concedido e pronto. O perdão de Cristo da mesma forma! Nós só precisamo pedir, acreditar que fomos perdoados e BUSCAR não fazer novamente, que compõe o arrependimento (condição para o recebimento do perdão).
a Igreja tem sim suas falhas é inegável. Mas as tem justamente por que a igreja somos nós! O povo de Deus é a Igreja, o corpo de Cristo. Automaticamente a Igreja falha, peca, e infelizmente em alguns casos julga. Mas na maior parte dos casos em que conheço, as pessoas que se dizem julgadas pela Igreja são aquelas que não buscaram consertar-se. Aquelas que ao serem procuradas pela Igreja, a trataram como se a Igreja estivesse errada e eles (em seu pecado) estavam certos.

A bem da verdade é que a maioria, encontra na falha da Igreja, que também é sua falha, um motivo para viver o pecado!

Se acreditam mesmo que existe uma falha na Igreja, no lugar de se afastar, ajude a corrigí-la! É assim que cada cristão deve pensar. Ao contrário do que as pessoas falam, a igreja é o corpo de Cristo, e falar contra ela é falar contra Cristo!

E no exemplo que você deu do filho pródigo, o "primeiro" passo veio sim do Filho. O Arrependimento! O se humilhar. O ir de encontro ao pai! Não é fazer por merecer, é apenas se colocar no seu lugar de barro! De nada que somos sem a presença de Deus!

Eu não conheço ninguém que não dá um passo em direção a Deus que tenha realmente vida com Deus!

Se dispor a ler a Bíblia, jejuar, orar, ter comunhão com os santos, pedir perdão, se arrepender são todas formas de se dar um passo em direção a Deus! E é só assim que nos achegaremos ao seu trono de graça e contemplaremos a sua presença. Pelo menos é o que diz a palavra de Deus.

Quanto ao problema da Igreja, existe uma solução que a maioria dos indignados contra a Igreja e "seus" ensinamentos não fazem: Orar e com a direção de Deus defendê-la!

Desculpe entrar no seu blog e colocar minha posição desta forma!
Mas amigo, ou irmão não sei se é ainda, Falar da forma como você fez esta critica, é julgar também! E o pior Julgar a Igreja de Deus!

Grande abraço
Que Deus abençoe.