"A memória dos odores é muito rica", disse John Steinbeck no começo de um de seus mais famosos romances, mas eu acrescentaria também a memória dos sabores que as acompanham. Ontem mesmo, tive uma experiência nostálgica ao sentir o fumegar de uma sopa oriental que minha mãe costumava preparar para mim, saboreando-a em seguida com uma satisfação quase infantil.
Recentemente estive me Genebra em mais uma reunião do Conselho Mundial de Igrejas (CMI). Debatíamos que posicionamento deveriam as igrejas tomar diante da atual crise mundial e, nos intervalos, degustamos as refeições do hotel onde nos encontrávamos. O sabor era bom e os pratos eram esteticamente perfeitos, como se a beleza fosse mais importante do que a capacidade de matar a fome. A quantidade não era generosa e era exatamente o que deveria ser: apenas mais uma refeição de restaurante chique. Refeições caras que nos tornavam até hipócritas diante de nossas discussões sobre os nefastos efeitos da crise mundial sobre os pobres.
Lembrei da reunião que o CMI promoveu em Cuba, em um seminário teológico em Matanzas. Estou muito longe de ser fã da ditadura cubana - pelo contrário. Contudo, senti-me muito bem recebido em meio ao povo cubano. Lembro-me das refeições simples, com seus sabores e odores caseiros, com seus temperos particulares da região, preparadas por diligentes e simpáticas senhoras cubanas, provavelmente voluntárias. Também almoçamos em uma igreja presbiteriana em Havana, onde recebemos generosos pratos - comida feita pela comunidade. Não sei exatamente por que, sentia-me realmente bem durante aquelas refeições. Os cubanos infelizmente são pobres e, conseqüentemente, não podem nos oferecer iguarias em restaurantes. Mas pensando bem, prefiro essa refeições caseiras e simples.
Algum outro dia reclamaram quando descrevi minhas incursões a restaurantes em Oslo, durante uma outra reunião, desta vez no inverno escandinavo. Patrocinados pela rica Igreja da Noruega, saboreei peixes de sabores diversos com deliciosos acompanhamentos tradicionais de Natal. Novamente, esbáldavamo-nos em gula em meio a uma reunião de igreja. Nesses momentos, como também após dias de bandejão da USP ou de restaurantes chiques aqui mesmo no Brasil, a comida simples da mãe distante, com seus sabores e odores característicos, voltam à memória. Uma sensação de nostalgia se abate.
Após meses em São Paulo sem voltar pra casa em Porto Alegre, alguns conhecidos foram comigo aproveitar um fim de semana com promoções em restaurantes de São Paulo. Depois de esperar em filas, entramos em um aparentemente fino restaurante de cozinha espanhola. Novamente, refeições estéticas, quantidades mínimas, ambiente excessivemente artificial, todos reclamando dos pratos. Boa companhia, é verdade, mas nada como as paredes da sala de jantar em Porto Alegre ou como as refeições caseiras cubanas. Nem com meros salsichões na fogueira é possível comparar, como fiz na Suíça com meus amigos no alto de um monte com vistas para os Alpes, no dia subsequente às culinariamente finas reuniões do CMI.
A refeição ceseira bem feita em ambientes que nos sentimos acolhidos e participantes sempre me parece melhor. A memória dos odores e sabores se associa a todos os outros sentimentos de satisfação nesses ambientes. Pelo menos em parte, Steinbeck tinha razão.
Nenhum comentário:
Postar um comentário