sábado, 12 de junho de 2010

Ideias esparsas

Tenho sido incapaz de escrever ultimamente. É estranho que existam épocas em que meu cérebro simplesmente não consegue expressar no papel o que tenho pensado. Também tenho sido incapaz de ler muito, o que sempre foi um costume meu. Tenho a impressão de que meu novo trabalho como professor, mesmo sendo de apenas 12 horas por semana, e a minha insistência em continuar pesquisando ou dando aulas particulares, têm me impedido de pensar, ler e escrever. Ocupado com as tarefas e os compromissos, abdico de estruturar meus pensamentos.

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Recentemente, estava lendo um livro escrito por dois filósofos (Jean Hampton e Jeffrie Murphy). Uma amiga minha, que fez mestrado em filosofia na Inglaterra, emprestou-me o livro, cujo título é “Perdão e Misericórdia” (Forgiveness and Mercy). Não é um livro de igreja. É um livro com dois filósofos pensando sobre o tema: Hampton até é cristã, mas Murphy não é. Os textos dos autores se intercalam, mostrando um interessante debate entre os dois em exercícios que, sem dúvida, envolvem intensa introspecção. Quando os autores tratam de conceituar sentimentos relacionados a ódio e ressentimento, é difícil não se identificar com alguma descrição. Tem sido uma leitura interessante.

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Ao mesmo tempo, tenho pensado na relação entre piedade religiosa e moralidade conservadora. É incrível como as pessoas tendem a associar fortemente esses dois aspectos. Talvez porque as pessoas mais piedosas tendam também a ser as mais conservadoras moralmente (e às vezes politicamente). Família e igreja/religião são muito ligadas, porque são os pais que costumam [tentar] passar sua religião para os filhos. Acredito que na verdade os pais passam uma caixa cheia de ferramentas. Nela estão contidos os valores que eles professam, alguns muito úteis e até atemporais e universais, outros bastante anacrônicos e refletindo a época e o local em que foram criados. Mas também está contido a religião, a piedade, a fé daqueles pais. Os filhos então pegam a caixa e, em geral, decidem em termos de ficar com a caixa inteira ou jogá-la fora com tudo o que tem dentro. Falo isso porque eu mantive o básico da fé de meus pais e outras pessoas influentes na minha formação religiosa e moral. Entretanto, ao manter isso, tenho dificuldades para jogar outras coisas fora, embora eu racionalmente saiba que elas devem ser jogadas fora. Ou melhor, tenho dificuldade de me livrar de certos hábitos e costumes que são inclusive incoerentes com a fé que eu professo, mas que geralmente as pessoas piedosas costumam praticar (lamentavelmente). Acreditar em Deus e na fé cristã não significa adotar todas as posições conservadoras e absurdas muitas vezes adotadas pela maioria dos cristãos. Muito pelo contrário, a fé cristã deveria ser uma fé libertadora, ainda que responsável. Por exemplo, não são os assim chamados cristãos que mais julgam o comportamento alheio quando justamente Cristo pede-nos para não julgarmos os outros?

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O post anterior a este esteve por muito tempo no topo da lista (esse aí embaixo). Lamentavelmente, um post polêmico e que tenho dúvidas até agora se deveria tê-lo escrito. Apagá-lo, no entanto, seria precipitado - pelo menos é o que penso no momento. Não queria julgar pessoas com aquele texto, até porque meus personagens muitas vezes são a mistura de várias pessoas, incluindo eu mesmo. Espero que os leitores leiam os outros e possam ver que nem sempre minhas idéias estão esparsas e desorganizadas.

4 comentários:

Joel Pinheiro disse...

Vamos lá, Thomas, hora da verdade. Quais as posições conservadoras que a maioria dos cristãos demonstra e que você considera absurdos?

"Julgar", assim em abstrato, não responde à questão. Ambos os lados "julgam" - uns condenam de antemão quem tem, digamos, uma tendência homossexual. Outros condenam de antemão quem acredita que a prática homossexual seja pecaminosa. (Peguei o homossexualismo só a título de exemplo).

Thomas H. Kang disse...

E aí, Joel

Incrível como tu gosta de debater. =)Nesse blog não costuma haver debate, mas acho que sua pergunta merece uma resposta (espero que boa) =P

Julgar não deve ser colocado entre aspas como se "julgar" não fosse "julgar" (deu pra entender?). Jesus expressa o malefício do julgar, não para dizer que "não julgar" é uma lei, mas porque quando julgamos nos tornamos hipócritas. Não há diferença entre quem peca mais ou quem peca menos, todos somos pecadores e precisamos da graça de Deus. Logo, qualquer julgamento torna-se um erro, embora façamos isso constantemente. Esse julgar, portanto, tem a ver com condenação.

Contudo, o conselho agostiniano aqui é válido: condena-se o pecado e não o pecador. Na questão do homossexualismo, é razoável que igrejas afirmem que isso é um comportamento errado, uma vez que há suporte bíblico para tal (embora a homossexualidade seja uma questão discutível dentro de certas perspectivas teológicas). Isso é diferente de condenar o pecador. Nenhum homossexual é mais pecador do que qualquer um de nós. Portanto, ele não pode sofrer preconceito e deve ser acolhido, ainda que, se a igreja assim afirma, ele possa ser exortado a largar seu comportamento (eu pessoalmente tenho várias dúvidas em relação ao tratamento teológico da questão da homossexualidade).

Quando eu falei de "posições conservadoras", eu não quis atingir a teologia católica em particular, por maiores que sejam minhas discordâncias com ela em diversos pontos. Meu diálogo é mais com a teologia evangelical, da qual recebi mais influência na minha formação. No diálogo intra-protestante, a simples proibição de certos comportamentos que não tem o menor embasamento bíblico, o que muitas vezes ocorre no meio evangelical (e também pentecostal), é muito comum. Há evangélicos que acreditam ser errôneo consumir bebidas alcoólicas, ao invés de defender uma posição de responsabilidade no consumo da bebida. Há outros que proíbem o sexo antes do casamento - o que não tem embasamento bíblico claro (ao menos os católicos têm uma justificativa, que não considero convincente, mas uma justificativa - e que é coerente com a proibição do uso do anticoncepcional). No entanto, o evangélico permite o anticoncepcional e quer probir o sexo antes o casamento, sem ter justificação bíblica adequada (como espera-se de um evangélico). Proibir o sexo fazia todo sentido quando não havia anticoncepcionais, uma vez que se tornava uma irresposabilidade. No entanto, elas não deveriam ser regras religiosas entre os protestantes, mas é assim que muitas vezes são tratadas. E há uma série de outras proibições que surgem sem sentido algum.

Mas mais do que na proibição em si, a condenação das pessoas (muito embora digam que é apenas do pecado) contribui muito para a falta de saúde espiritual. O excesso de repressão legalista visivelmente causa vários transtornos psicológicos, uma vez que, em muitos meios cristãos, está muito presente a ideia de culpa.

Evidentemente, a culpa é necessária para o perdão, assim como a morte é necessária para a ressurreição. Afinal, quem não sente culpa é psicopata. Mas a culpa acaba tendo papel quase total na vida das pessoas, que esmagadas pelas exigências auto-impostas (e que elas pensam ter sido impostas por Deus), não conseguem ter uma vida liberta, como Cristo queria. O perdão e a graça, aspectos FUNDAMENTAIS do Cristianismo, acabam muitas vezes tendo papel secundário ou nulo na vida de comunidades ditas cristãs.

É para a liberdade que Cristo nos libertou, diz o versículo. A Lei deve ser vista junto com o Evangelho. Mas o pior é inventar leis que nem existem sem justificativa razoável. É na consciência que todos somos pecadores e na vivência livre e responsável que conseguimos fazer um pouco do que Cristo nos disse.

Thomas H. Kang disse...

Não encare o "deu pra entender" como algo agressivo, hehe.

mais uma coisa, gostaria de uma opinião sua sobre este texto se tiveres tempo: http://cronicasdekang.blogspot.com/2009/05/fazer-por-merecer.html

Abraço, Joel

Joel Pinheiro disse...

Opa, valeu pela longa resposta. hehe, eu não queria debater não; estava só querendo saber com mais clareza a o que você se referia.

Não vou entrar aqui num debate católicos vs protestantes. Valeu pelas explicações!

Vou ler o texto sim. Abraços!