segunda-feira, 5 de abril de 2010

Sozinha

Em um encontro de estudantes, o samba tocava alto dentro do pavilhão. Uma menina morena de olhos verdes sambava sozinha, enquanto alguns rapazes não conseguiam esconder sua vontade de observá-la, mesmo quando acompanhados de suas respectivas namoradas. Não foram poucos os olhares femininos raivosos para namorados e para Rafaela, a garota que sambava sozinha. Naquele momento, ninguém se sentia homem o suficiente para se aproximar dela. Minutos depois, ela poderia facilmente escolher na cama de quem acabaria.
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Jorge, engenheiro, era o namorado oficial de Rafaela e eles se encontravam apenas nos fins-de-semana, uma vez que ele morava em outra cidade. Mas Rafaela gostava também muito da companhia de Jonas, rapaz que já estava no doutorado e que a levava a lugares diferentes e interessantes. Outro que ela encontrava frequentemente era Carlos, que trabalhava no mercado financeiro e a levava para bares refinados, mas cujo ar de menino carente da mãe nas noites de sexo deixavam-na um pouco enojada. Carlos acabou substituído pelo filósofo Renato, músico excelente que sempre estava com um violão na mão e sempre muito carinhoso. Ricardo era uma companhia eventual, que a fazia se sentir viva, mas incapaz de gestos de carinho. Nessa época, Rafaela tinha uns 23 anos e achava que estava levando uma vida equilibrada.

Sua amiga Fernanda era o oposto dela: namorava há cerca de dois anos, mas já levava uma vida de casada há quarenta. Seus fins-de-semana eram preenchidos com passeios no parque e filmes no sofá. Mas Rafaela sabia como Fernanda na verdade invejava a vida dela, embora ela nunca tivesse tocado no assunto. Tinha percebido como Fernanda reagira negativamente ao ver um recente filme de Woody Allen, Vicky Cristina Barcelona. Ela se revoltou com o comportamento da comprometida Vicky, noiva de um rapaz boa praça, mas sem graça, que não resiste aos encantos de um mulherengo espanhol. Fernanda carecia de aventuras e a vida de Rafaela parecia ser uma grande aventura aos olhos da pacata Fernanda.
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Aos 29 anos, tinha um excelente emprego que rendia viagens para o exterior. Agora tinha “amigos” homens em diversas partes do mundo. Por outro lado, suas amigas começaram a casar e ter filhos. Do seu grupo da faculdade, só tinham restado ela e Fernanda solteiras (esta última tinha se separado do namorado após seis anos de namoro e então começou a seguir os passos de Vicky). Mas as excitantes viagens, acompanhada por homens diferentes em locais diferentes, supriam a necessidade de Rafaela de estar sempre rodeada. Lembrava com prazer de suas noites na Rússia e no México, dos originais champanhes bebidos em Paris e de passeios na Broadway. Enquanto isso, foi madrinha de casamento oito vezes, participou de 22 chás de bebês e se viu cada vez mais isolada.
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O tempo passara. Tinha 36 anos e estava visivelmente envelhecida. Mas ainda tinha resquícios da beleza de outrora, os mesmos olhos verdes contrastando com os cabelos escuros – talvez até com mais charme, aquele que só a maturidade pode dar. Filhos já não podiam fazer parte dos planos e a solidão era preenchida com homens, como sempre fora, só que agora em geral divorciados ou viúvos. Mas ela sentira que as coisas não eram tão fáceis como antigamente. Ainda viajava a trabalho para a Europa, onde ficaria na casa de mais um amigo - desta vez na Suíça. No avião, começou a gostar da conversa com um garoto franzino de 21 anos, quando percebeu, já tinha cedido terreno para o rapaz.

Chegou à Suíça após dar o número do celular para o jovem. Após as reuniões, hospedou-se na casa de seu amigo, um advogado de 57 anos. O casal momentâneo resolveu subir uma montanha dos Alpes Suíços. Por alguns momentos, ele foi fazer perguntas ao guia e a deixou sozinha contemplando do alto os dois lagos, divididos pela pequena cidade de Interlaken. Centenas de metros separavam Rafaela dos cristalinos lagos lá embaixo. Algo muito mais forte que a gravidade parecia chamá-la para se encontrar com as águas azuis do lago. Não teve dúvidas de que deveria obedecer o chamado.

7 comentários:

Ricardo Agostini Martini disse...

Uma adaptação tua de "O Tigre e o Dragão" sem as lutas?

Abraço

Jericó disse...

Isso tá se tornando perigoso, Mestre Kangoo!!! Não tenho 40 anos pra dizer que a vida seria sem graça e se eu não estivesse casado até então, mas acredito que com a experiência venham outros interesses e, com isso, por exemplo, pode-se deixar de querer conhecer novas mulheres para eventualmente ficar só com uma, ou vice-versa.

Enfim, acho que não dá pra considerar tudo tão estanque. Cada fase da vida é uma fase que traz consigo interesses próprios, e não necessariamente "vazios", sejam eles de ordem profissional, sexual, material,... deixa a Rafaela curtir tanto ficar com o guri de 21 anos e com o tiozão de quase 60, pô!

Thomas H. Kang disse...

Terá sido moralista? Nâo sei, Érico. Não era o que eu tinha na cabeça. Nâo vejo problemas em pessoas curtirem suas idades, mas vejo problema em baixa auto-estima preenchidas com a distração. Essa a impressão que tive observando pessoas; essa personagem é uma junção de várias pessoas que vi por aí. Não que todas que exibam comportamentos do tipo sejam vazias.

Assim como a Paula é atacada pelo moralismo vazio, ataco a Rafaela pelo lascívia vazia. Pode ser. Na verdade não importa tanto o comportamento exterior, mas sim o que nos leva a tomar este tipo de comportamento. E ninguém deve ser condenado por errar, eu sei. Espero não ter passado essa impressão.

Thomas H. Kang disse...

Confesso que não lembro do enredo de "O Tigre e o Dragão", Ricardo.

Anônimo disse...

adorei...

Joel Pinheiro disse...

Haha, cruel...!

Mensagem forte a do seu conto, Thomas. Só acho que ele exagera. Para uma mulher solteira de 36 anos casamento e filhos não é nada fora de cogitação. Claro, é uma idade na qual ela tem que começar a levar a sério o propósito, mas de forma alguma está fadada a "viúvos e divorciados".

Em todo o caso, o ponto é verdadeiro: muitas mulheres podem não perceber a troca que estão fazendo (diversões passageiras x amor duradouro, família). Claro que os homens fazem a mesma troca, mas no caso delas é mais dramático porque a natureza impõe um limite relativamente cedo; e porque, talvez, nelas o desejo natural pela maternidade seja mais forte do que nos homens é o da paternidade; e porque elas precisam mais ostensivamente de uma base segura; e (novamente, é suposição) são menos inclinadas a se contentar somente com o prazer físico.

Thomas H. Kang disse...

Obrigado pelo comentário, Joel.
De longe esse foi um dos meus textos mais polêmicos, como você pode ver pelos comentários. Temo ter sido moralista a respeito. Mas entendi tua ideia e, de fato, era algo assim que estava pensando.

Felizmente, tenho textos menos polêmicos neste blog, embora ostensivamente luteranos (hehe).

Espero em breve, escrever sobre algo mais.